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A evolução da disputa de pesca entre a França e o Reino Unido



Desde o Brexit - a saída formal do Reino Unido da União Europeia (UE) - o governo britânico não mais participa das Política Comum de Pesca da UE, por isso novas regras comerciais no âmbito da pesca tiveram de ser criadas pelos dois países para garantir que ambos os lados não ficassem prejudicados. Dessa forma, o governo britânico e a União Europeia - da qual a França faz parte - assinaram o Acordo de Comércio e Cooperação UE-Reino Unido (TCA, sigla em inglês), o qual entrou em vigor em 1 de janeiro de 2021 e assume que os navios de pesca da UE (neste caso, leia-se "franceses") manterão o nível atual de acesso às águas do Reino Unido durante um período de transição de 5 anos e meio, com uma redução gradual e equilibrada, e que os pescadores franceses poderiam lá continuar se possuíssem licenças e comprovassem já estarem lá antes do Brexit.

A despeito do acordo, incidentes pesqueiros entre os dois países têm acontecido e prejudicado a relação bilateral. Os incidentes ocorrem no âmbito da disputa entre os dois países sobre os direitos de pesca em águas do canal da Mancha, o qual durante séculos contou com a presença de pescadores de ambas as nações devido ao fato de ser a fronteira marítima entre os dois países próximos. Em maio deste ano, pescadores franceses protestaram nas águas do porto da ilha de Jersey, território independente da Coroa britânica que fica no canal da Mancha, ao entenderem que os direitos franceses de pesca sobre aquelas águas territoriais estavam ameaçados, pois o governo local de Jersey instituiu novas licenças para os barcos franceses. A situação chegou ao ponto de os dois países, membros da OTAN, deslocarem navios de guerra para a região. O impasse está na relutância do governo britânico (que guia as decisões dos territórios independentes do canal da Mancha) em conceder mais licenças alfandegárias aos barcos franceses, enquanto a França exige que tais medidas sejam feitas em consonância com o TCA, o mesmo acontecendo nos territórios marítimos de soberania francesa onde ingleses pescam.

No fim de outubro, dois barcos pesqueiros ingleses foram detidos na baía do rio Sena pela polícia marítima francesa, com uma das embarcações ficando confinada no porto de Le Havre. Dos dois navios ingleses apreendidos, um recebeu uma multa por não se submeter imediatamente à vistoria, enquanto o outro "não constava nas listas de licenças concedidas ao Reino Unido" pela Comissão Europeia e pela França, sendo desviado para o porto de Le Havre por um barco patrulha da polícia francesa marítima, onde foi detido, mostra o canal de notícias Euronews. Ainda segundo a Euronews, em uma conferência de imprensa, o porta-voz do governo francês, Gabriel Attal, afirmou que o “[desejo da França] é simplesmente que o acordo alcançado seja respeitado… Quando assinamos um acordo, e assim foi no âmbito do Brexit, o acordo tem de ser respeitado. A nossa paciência está chegando ao limite [...] Queremos que o acordo seja respeitado [para] que nossos pescadores possam trabalhar de acordo com o que foi decidido no acordo com os britânicos”.

Segundo o canal de notícias, Attal também declarou que a França poderia, a partir do dia 2 de novembro, iniciar "controles alfandegários e sanitários sistemáticos" nas mercadorias que cruzam o Canal da Mancha, incluindo a proibição de descarregar frutos do mar nos portos e a fiscalização dos caminhões - ações que diminuiriam drasticamente o comércio na região - e ainda acrescentou medidas às ilhas de Jersey e Guernsey, ambas de dependência da coroa britânica. Outros países da UE também criticaram as ações do Reino Unido no tangente à exigência de “prova de geolocalização para embarcações com menos de 12 metros, já que tal prova não está prevista no TCA [...] e os pescadores não são obrigados a fazê-lo de acordo com as regras da UE". Soma-se a isso a ameaça dos pesqueiros franceses de realizarem um bloqueio nas importantes cidades portuárias francesas de Calais e Dunquerque, além do túnel do Canal da Mancha, para impedir que produtos essenciais cheguem ao Reino Unido pelo canal, com o risco de gerar um efeito negativo nas cadeias de abastecimento no período que antecede o Natal, explica o jornalista Dan Falvey da Express Newspapers.

Enquanto as autoridades francesas acusam a Grã-Bretanha de se recusar a conceder licenças aos que têm direito a elas e ameaçam com ação retaliatória se mais licenças não forem concedidas, o porta-voz oficial do primeiro-ministro britânico disse que o Reino Unido está distribuindo licenças para todas os pescadores que têm prova de seu direito histórico de acessar as águas britânicas, conforme acordado no acordo comercial da UE, afirma o Portal de notícias Express. Para o Reino Unido, a atitude francesa é decepcionante e desproporcional. As exigências feitas pelo governo britânico, no entanto, são vistas como válidas - ao contrário do que afirma a UE - porque visam garantir justiça na concessão de licenças para pescadores que de fato possuem tal direito, o que, reitera, está dentro do acordado com a UE.

Ainda que as atividades pesqueiras não possuam uma representação significativa nos números da economia britânica, elas são tradicionais e de importância para os pescadores locais, o que mantém a atenção do público britânico sobre a questão, em especial com a aproximação das eleições presidenciais, que devem ocorrer no próximo ano. Apesar da posição firme, o Reino Unido afirmou que não deseja se engajar em uma postura retaliatória “olho por olho”.

Certamente, a disputa em relação aos direitos de pesca não foi apaziguada quando a França ficou de fora do acordo AUKUS, firmado entre Austrália, Reino Unido e Estados Unidos, o qual não só prejudicou os interesses comerciais franceses, como também evidenciou a nova posição do Reino Unido em relação à UE. Com o Brexit, Reino Unido e União Europeia possuem ainda um longo caminho a percorrer na normalização de suas relações, todavia França e Reino Unido não parecem possuir vontade política para resolver a questão imediatamente. A continuidade da disputa não interessa ao Reino Unido nem tampouco a França ou União Europeia, portanto, é de se esperar que mecanismos de solução pacífica eventualmente resolverão a disputa bilateral. O Reino Unido tem um histórico de disputas pesqueiras que se solucionaram por meios pacífico, como ocorreu com a disputa com a Islândia. Nesse caso, a despeito do acirramento momentâneo, não deverá ser diferente. O que se espera é uma solução que preserve a “honra nacional” e a impressão pública de que houve concessões recíprocas.

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