A crise fiscal no Japão e a ameaça de instabilidade dos mercados globais
- dri2014
- 2 days ago
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Enquanto a atenção global se concentra na situação no Oriente Médio, uma nova crise começa a surgir: os mercados de ações e de títulos da dívida publica do Japão estão prestes a enfrentar um momento de grande instabilidade. O Japão foi o pioneiro em adotar políticas monetárias consideradas “não convencionais” ou até mesmo arriscadas, muito antes dos EUA e da Europa. É possível perceber que cada movimento julgado como “insano” que os bancos centrais no ocidente introduziram nos últimos 15 anos foi adotado pela primeira vez no Japão. Um exemplo evidente disso é que, enquanto os Estados Unidos implementaram pela primeira vez a Política de Juros Zero (ZIRP) e a Flexibilização Quantitativa (QE) em 2008, o Banco Central do Japão (BoJ) já havia adotado essas estratégias anos antes, o ZIRP em 1999 e o QE 2001.
Um dos aspectos mais surpreendentes da postura não convencional do Japão em sua economia foi a atuação direta do BoJ no mercado de ações. O BoJ comprou tantos fundos negociados em bolsa (ETFs), que hoje é o maior detentor de ações japonesas e, em cerca de 40% das empresas listadas na bolsa japonesa, o BoJ está entre os dez principais acionistas. Isso é inédito entre bancos centrais e levanta uma série de preocupações: ao adquirir participações significativas em empresas privadas, o BoJ pode estar distorcendo os preços dos ativos e interferindo na lógica de mercado.
Paralelamente, o BoJ se tornou o maior detentor da dívida pública japonesa, chegando a possuir mais de 50% de todos os títulos emitidos pelo governo. O problema é que, na prática, isso significa que o próprio Estado está financiando seus déficits por meio do banco central, o que se aproxima da ideia de “imprimir dinheiro” para cobrir gastos públicos. Apesar disso, pode funcionar no curto prazo para manter os juros baixos e evitar crises fiscais, mas a longo prazo essa ação mina a confiança no sistema e reduz a margem de manobra do governo em situações de emergência. Outra medida não convencional adotada foi a implementação de um programa de Flexibilização Quantitativa (QE) em grandes proporções. Esse cenário pode ser observado quando o BoJ injetou, de uma única vez, no sistema financeiro do Japão, uma quantia equivalente a 25% do PIB do país, representando uma quantidade massiva de liquidez sendo introduzida artificialmente na economia.
Além disso, o BoJ levou sua política de juros a um novo extremo ao adotar taxas de juros negativas. A partir dessa postura, os bancos passaram a ser penalizados por manter dinheiro parado no banco central, sendo incentivados a emprestar mais recursos à economia. A ideia é acelerar o fluxo de crédito e estimular a atividade econômica. Entretanto, essa política tem efeitos colaterais importantes: compromete a rentabilidade dos bancos, prejudica fundos de pensão e pode ter como consequência o incentivo em aplicações mais arriscadas, o que desequilibraria ainda mais o sistema financeiro. Contudo, os efeitos colaterais dessas medidas se tornaram inevitáveis e a inflação chegou ao Japão atingindo a maior alta em dois anos no mês de maio de 2025, subindo para 3,7% na comparação anual (acima das expectativas de 3,6%), mesmo após o BoJ ter começado a apertar as condições monetárias pela primeira vez em décadas. Como consequência, os rendimentos dos títulos do governo japonês atingiram os níveis mais altos desde 2008.
Essa situação representa um grande problema para o BoJ, que por ser o maior detentor de dívida japonesa no mundo, deverá lidar, em breve, com prejuízos de centenas de bilhões de dólares. Além disso, o Japão tem uma relação dívida/PIB de 260%: sua dívida total em aberto equivale a aproximadamente US$ 8,5 trilhões. Os mercados sentiram os primeiros sinais dessa mudança em agosto do ano passado, quando o BoJ foi pressionado a elevar as taxas de juros pela primeira vez desde 2007. A reação imediata foi uma valorização significativa do iene, a moeda oficial do Japão, o que desencadeou um processo de desalavancagem sistêmica. Isso ocorreu porque muitos investidores estavam envolvidos em operações conhecidas como “carry trade”, nas quais fazem empréstimos em ienes para investir em ativos em outros países. Com a alta nos juros japoneses e a valorização da moeda, essas estratégias começaram a ser desfeitas, causando uma instabilidade nos mercados. O mercado de ações japonês despencou 12% naquele dia e o mundo inteiro sentiu o efeito disso, com as ações americanas despencando 8% em apenas três pregões. O Japão é um dos maiores detentores de títulos da dívida pública dos EUA e uma crise em seu sistema econômico pode acarretar um risco de que o país reduza sua posição na dívida americana para lidar com problemas domésticos.
Ademais, no artigo “Japan’s Day of Economic Reckoning”, escrito por Desmond Lachman, discorre-se a respeito de como a política tarifária agressiva do vigente presidente estadunidense, Donald Trump, reforça e agrava o cenário de crise na economia japonesa. Portando uma considerável dívida pública que excede a casa dos 200%, o financiamento dessa dívida faz-se possível em decorrência dos juros baixos e da enorme capacidade de compra dos próprios japoneses.
O argumento do autor debruça-se sobre o risco de um agravamento severo na estagnação da economia japonesa em decorrência de um arcabouço monetário incompatível - verificável, por exemplo, na inflação de 3,7% do país, acima da média estipulada. O que põe-se em voga, destarte, jaz no crescente recrudescimento das pressões sobre a política monetária do BoJ mediante as mudanças estruturais que as reformas tarifárias estadunidenses requereram. Portando uma população maioritariamente envelhecida, o BoJ reluta em prover reformas estruturais que comportem a volatilidade impetuosa que as tarifas demandam, tais quais o aumento esperável da taxa de juros e uma reforma do sistema previdenciário do país.
Tal inação reflete-se, parcialmente, numa política econômica majoritariamente conservadora, cuja premissa calcava-se numa taxa de juros ínfima e na compra de títulos públicos. A relutância em prover reformas estruturais que comportem as exigências do mercado, reflete, sobretudo, num dilema de base burocrática embalsamado na constância com que a economia do país se constituiu.
Lachman conclui o seu argumento indagando a respeito de um eventual choque das contas públicas japonesas, cuja inabilidade em adaptar-se a modelos mais compatíveis com o mercado financeiro atual, somadas à crescente crise demográfica, induzem a um processo de crise financeira. O histórico de triunfos econômicos do país demonstra-se progressivamente defasado à medida que a demasiada constância e confiabilidade num mesmo modelo de política monetária e fiscal - uma dívida pública financiada através do investimento maciço em títulos públicos - estagnara a economia, apesar de dela prover uma plataforma de falsa estabilidade.
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