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A Crise Diplomática entre o Níger e a França



O Níger é uma ex-colônia francesa, localizada na África Ocidental e que vem passando por uma onda de sentimento anti-francês. Este distanciamento com a antiga potência colonial está relacionado principalmente à tomada de poder no país, que foi oficializada no dia 28 de julho de 2023. Similarmente aos golpes ocorridos no Mali e em Burkina Faso, a tomada de poder foi justificada pela necessidade de resposta às ameaças terroristas de grupos jihadistas na região. Em meio a este cenário, os militares alegaram que o governo civil, que era apoiado pela França, não foi capaz de afastar os riscos terroristas, justificando, assim, o golpe no território. A nova junta do país, autodenominada Conselho Nacional para a Salvaguarda da Pátria (CNSP), alavancou o sentimento de rejeição à França na população para reforçar o seu apoio, visando estabelecer o controle político total no país.

Durante esse novo governo, os militares ordenaram a expulsão do embaixador francês Sylvain Itte e, por isso, o declararam persona non grata e cancelaram tanto o seu visto como os de sua família. No dia 25 de agosto, os instigadores do golpe deram um prazo de 48 horas para o embaixador deixar o país e, assim, afirmaram que ele não gozaria mais dos privilégios e imunidades relacionados ao cargo diplomático. Como resposta, a França afirmou que os líderes do golpe não teriam autoridade para expulsar o embaixador, assegurando que as forças militares estariam prontas para agir a qualquer momento se as instalações diplomáticas e militares francesas no Níger fossem prejudicadas. Diante do evento, o presidente da França, Emmanuel Macron, afirmou a permanência do embaixador no país e reiterou o reconhecimento do presidente deposto Bazoum como autoridade legítima de Níger.

Ao analisar a situação a partir da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1951, tem-se que o Governo de Níger agiu de acordo com o Artigo 9° do tratado, uma vez que “O Estado acreditado poderá a qualquer momento, e sem ser obrigado a justificar a sua decisão, notificar ao Estado acreditante que o chefe de missão ou qualquer membro do pessoal diplomático da missão é persona non grata ou que outro membro do pessoal da missão não é aceitável. O Estado acreditante, conforme o caso, retirará a pessoa em questão ou dará por terminadas as suas funções na Missão.”. Ou seja, o Estado que recebe missões diplomáticas, neste caso o Níger, pode a qualquer momento deixar de reconhecer um membro diplomático de outro país. Como consequência, o Estado acreditante (a França) precisa retirar o profissional em questão da missão, obedecendo o prazo estabelecido.

Quando a legitimidade do governo do Estado acreditado (no caso, o Níger) é questionada pelo país acreditante (no caso, a França), estaria este resguardado em recusar a retirada do seu diplomata do país? As relações diplomáticas entre dois países se estabelecem no nível de Estado, e se fundamentam no princípio do consentimento mútuo, conforme o artigo 2º, que assim lê: O” estabelecimento de relações diplomáticas entre Estados e o envio de Missões diplomáticas permanentes efetua-se por consentimento mútuo”. Uma vez reconhecido o Estado, e instituídas relações diplomáticas formais, o reconhecimento ou não de um governo não alteraria a prerrogativa do Estado acreditado de declarar um agente diplomático persona non grata e retirar a imunidades e privilégios diplomáticos após determinado tempo. Note que o Artigo 9º acima, ao referir-se ao direito de declarar um diplomata acreditado persona non grata, associa esse direito ao Estado e não a um governo reconhecido do país.

O questionamento quanto à legitimidade do governo no Níger e a perda dos privilégios e imunidades do embaixador e de sua família fomentam expectativas de intervenção militar no país, levando a uma escalada de tensão na região, principalmente devido à presença de tropas francesas. Os discursos proferidos pelo Presidente Macron e pelo Coronel Pierre Gaudilliere demonstram que Paris tem por objetivo combater qualquer tipo de ameaça que possa mitigar a influência político-militar da França no Níger. Entretanto, tal posicionamento tende a colocar em risco a integridade do embaixador Sylvain Itte e de sua família, pois, embora a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas estabeleça em seu Artigo 44 que, em caso de conflito armado, o Estado acreditado deva conceder facilidades para a retirada de corpo diplomático de seu território, esse dispositivo faz referência àqueles que gozem de privilégios e imunidades diplomáticas – o que, de acordo com a perspectiva do Níger, não é o caso.

Seguindo o que a Convenção estabelece no Artigo 43, entende-se que as funções do agente diplomático em questão foram finalizadas. Como solução, levando em consideração que Sylvain Itte e sua família são nacionais da França, o país pode - de acordo com o disposto no Artigo 46 - solicitar que um terceiro país, com o consentimento do Níger, assuma a proteção temporária do embaixador e de sua família, bem como dos demais nacionais franceses que estejam em território nigerense.

No âmbito militar, tem-se que, desde 1971, a França tem firmado acordos de cooperação antiterrorista com governos nigerenses. Atualmente, o país possui uma base militar com cerca de 1500 soldados, os quais estariam desempenhado um papel na região do Sahel, combatendo grupos como Daesh/ ISIS e à Al-Qaeda, mas eles poderiam estar lá para proteger os interesses econômicos da Franca também. No quesito econômico-comercial, o Níger é o terceiro maior fornecedor de urânio da França - que o utiliza como fonte de energia elétrica para sua população e o exporta para os demais países europeus. Todavia, a junta militar, ao tomar o poder no Níger, ordenou a suspensão das exportações de urânio e a remoção das tropas francesas do país. O fim da parceria comercial é apoiado pelo fato de que a mesma tem se dado de maneira desigual, visto que o Níger apresenta receitas significativamente baixas com a exportação e ainda cerca de 90% de sua própria população não possui acesso à eletricidade em suas residências.

Sob esse viés, compreende-se o possível detrimento dos interesses franceses caso a junta militar permaneça no poder. Contudo, é necessário ressaltar a importância do respeito aos princípios de não intervenção e soberania - cruciais para a manutenção da paz na sociedade internacional - que serão violados caso as expectativas de intervenção militar aconteçam. O posicionamento francês demonstra possuir um caráter veementemente imperialista, numa busca por defesa dos interesses franceses em sobreposição aos nigerenses. Assim, sinaliza-se a contrariedade no discurso do Presidente Macron, de que a influência francesa em suas antigas colônias havia chegado ao fim.

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