A Corrida Nuclear no Oriente Medio
Na esfera da política nuclear, um país pode angariar esse tipo de arma para, ao menos, dois propósitos fundamentais: conseguir uma imagem de mais prestígio no sistema internacional, mesmo com os altos custos; e aumentar sua segurança, caso o governo do Estado entenda que a posse desse tipo de arma seja essencial para a sua preservação. Assim, com a aparente tentativa do Irã em desenvolver essa tecnologia, o Reino da Arábia Saudita, outra grande potência da região do Oriente Médio, já sinalizou que não pretende ficar sem as mesmas armas caso Irã se nuclearize.
A Arábia Saudita “está profundamente preocupada sobre o aumento no ritmo das atividades nucleares iranianas e o desenvolvimento de suas capacidades… inconsistente com objetivos pacíficos”, relatou um oficial do governo à agência de notícias Reuters. Com as relações diplomáticas rompidas desde 2016, a Arábia Saudita, monarquia hereditária conhecida pela forte presença da vertente wahabita do Islã, e o Irã, que desde a revolução de 1979 é uma república islâmica xiita, são rivais regionais cujas relações têm sido marcadas pela desconfiança mútua, troca de acusações, “guerra por procuração” (no Iêmen e Síria, por exemplo), etc. Recentemente, ocorreram conversas entre ambos, com a mediação do Iraque, com o intuito de diminuir as tensões na região. Todavia, o avanço do programa nuclear iraniano não colabora com este fim.
Nesse contexto, a obtenção de armas nucleares ainda continua sendo uma das opções a qual a Arábia Saudita pode recorrer para fazer frente a uma eventual posse de armas nucleares pelo Irã. “Todas as opções estarão na mesa”, afirmou o embaixador saudita no Reino Unido, conforme o jornal The Washington Post. Ainda assim, existe um debate sobre a possibilidade - e até mesmo a capacidade - saudita de realmente se nuclearizar. Em 2015, o escritor e colunista Fareed Zakaria escreveu para o The Washington Post argumentando que a Arábia Saudita é dependente da exportação de petróleo (com os lucros dessa fonte referentes a 40% do produto interno bruto do país). Além disso, o país ocupava uma baixa posição no tangente à qualidade do ensino de matemática e ciência de acordo com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI). Uma vez que depende bastante do comércio internacional com países estrangeiros, comprar sorrateiramente uma bomba levaria o país a correr o risco de sofrer sanções econômicas, retaliação e se tornar um “pária” internacional - risco esse o qual seira muito alto e o reino não estaria disposto a enfrentar.
Entretanto, a possibilidade de uma Arábia Saudita nuclearizada não deve ser completamente descartada, mesmo com tratados e regimes internacionais que tornam essa ação mais difícil de se concretizar. Hoje, o fato de a maioria dos Estados não tentar adquirir uma arma nuclear não tem a ver com a habilidade de construí-la, mas com o seu compromisso com o regime internacional de não-proliferação, como salienta Jeffrey Lewis, diretor do Programa de Não Proliferação do Leste Asiático do Instituto de Estudos Internacionais de Middlebury, para a revista Foreign Policy. O Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) vincula os Estados membros ao regime internacional de não-proliferação dessas armas, impedindo que os Estados partes (como o saudita), adquiram ou construam armas nucleares.
Ainda assim, agindo dentro dos limites do TNP, o reino saudita está investindo na indústria nuclear civil, construindo uma cidade inteira (Cidade do Rei Abdullah para Energia Atômica e Renovável) destinada ao treinamento de cientistas nucleares. Segundo os dados da qualidade de educação do FMI, Israel e Paquistão são nucleares, mas estão abaixo do nível de educação saudita, mostra Lewis. Além da preparação de cientistas e técnicos nucleares, a Arábia Saudita está com planos de construir dois reatores nucleares. Com a enorme capacidade tecnológica promovida pela globalização, os eventuais esforços do governo saudita de conduzir um programa nuclear paralelo para fins militares não é uma possibilidade a ser descartada.
Uma outra opção, para a Arábia Saudita, seria obter algumas armas nucleares diretamente do Paquistão, cujo programa nuclear tem sido financiado parcialmente pelos sauditas. Em qualquer caso, porem, a Arábia Saudita estaria violando os seus compromissos assumidos no âmbito do TNP, mas o custo a ser pago pode ser menor, na visão dos sauditas, do que ter de enfrentar um rival iraniano nuclearizado.
Logo, a ação da Arábia Saudita é pautada no discurso de segurança individual e regional, tendo vista a possibilidade de um Irã nuclearizado e a leniência dos países ocidentais em relação a isso, abrindo a possibilidade de que o mesmo seja feito pelo governo saudita, o qual não assistiria inerte uma potência regional ficar ainda mais poderosa. Deduz-se, portanto, que a contenção dos desejos de nuclearização da Arábia Saudita passa, necessariamente, pela dissuasão das aspirações iranianas - tarefa bastante difícil de ser executada, especialmente se a grande estratégia de um Estado, como o Irã, vê como necessária a posse de armas nucleares.
Desde a década de 1990, os Estados Unidos, especialmente, esforçam-se para dissuadir o Irã de construir uma bomba nuclear e, repetidas vezes, o Estado violou normas do regime de não proliferação, cruzando “linhas vermelhas” estabelecidas, ainda que não muito bem especificadas, por diferentes governos americanos. Israel já chegou, mais de uma vez, a recorrer a ações clandestinas para impedir ou atrasar os esforços iranianos. O país persiste em negar que possua intenções de se nuclearizar e, recentemente, a Agência Internacional de Energia Atômica conseguiu fechar acordo com o Irã para monitorar seu programa nuclear, o que lhe permitirá acesso às câmeras de segurança de dentro das instalações nucleares. Conversas para reativar o acordo nuclear de 2015 - duramente criticado por Kissinger e Schultz e do qual saiu os Estados Unidos em 2018 - devem ser retomadas em breve, afirmou o chefe de política externa da União Europeia, Josep Borrell, porém “em breve” já parece tarde, dado o avanço do programa nuclear iraniano.
Certamente, essas iniciativas mostram o comprometimento das potências regionais e globais em impedir a proliferação de armas nucleares, bem como uma possível corrida armamentista entre Irã e Arábia Saudita. Somente o tempo dirá se esses esforços serão recompensados, contudo vale ressaltar o alerta de Gregory Schulte, ainda em 2010, sobre o Irã e a Coreia do Norte: “para eles, o prestígio, a segurança e a influência que se presume derivar das armas nucleares parecem mais convincentes do que as penalidades fracas e os incentivos incertos da diplomacia multilateral. É improvável que outra rodada de sanções ou negociações altere esse cálculo”.
Se a nuclearização do Irã for inevitável, a Arábia Saudita se contentaria com garantias de segurança dadas pelos Estados Unidos, ou partiria para adquirir seu próprio arsenal nuclear? A nuclearização do Irã e da Arábia Saudita traria mais equilíbrio e estabilidade para o Oriente Médio, ou seria o inverso?
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