A Complicada Condição Fiscal da Polônia e a Ucrânia
Em junho de 2024, a Comissão Europeia (CE) determinou a necessidade de abrir o procedimento por déficit excessivo em relação a vários países, a saber: Bélgica, França, Itália, Hungria, Malta, Polônia e Eslováquia. O procedimento por déficit excessivo (PDE) na União Europeia (UE) é acionado por recomendação da CE quando a dívida pública de um país membro ultrapassa 60% do PIB ou seu déficit fiscal anual excede 3% do PIB. Ser incluído nesse procedimento significa que o país deve apresentar um plano de ações corretivas para reduzir o déficit. Se um Estado-membro não implementar as recomendações do Conselho da UE, este poderá solicitar que ele adote “medidas destinadas a reduzir o déficit conforme o Conselho considere necessário, para remediar a situação” dentro de um prazo especificado.
Entre os sete países sujeitos ao PDE, a Polônia apresenta uma situação particular. A Polônia já foi submetida ao procedimento por déficit excessivo da UE uma vez no passado, em julho de 2004, procedimento que foi encerrado em julho de 2008. Dito isso, de acordo com o plano orçamentário de longo prazo do país, o déficit geral do governo atual, conforme a metodologia ESA2010 da UE, atingiu 5,1% do PIB em 2023, representando um aumento de 1,7 pontos percentuais em relação ao ano anterior – em 2022, o déficit foi de 3,4% do PIB. Apesar de a dívida pública polonesa ter permanecido abaixo do limite, em 49,6% do PIB no final de 2023, os altos índices de déficit das finanças públicas foram determinantes para a avaliação negativa da Comissão. As previsões de gastos do governo para 2024 também foram recebidas negativamente, com um déficit projetado de 5,1% do PIB e uma dívida pública estimada para crescer até 54,1% do PIB.
A situação polonesa decorre de diversas causas e traz implicações significativas. O país, que faz fronteira direta com a Ucrânia, tem desempenhado um papel fundamental no apoio militar e financeiro à nação vizinha desde o início da guerra. Segundo o Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo (SIPRI), os gastos militares da Polônia aumentaram 75% em 2023 em relação ao ano anterior, representando o crescimento anual mais rápido em toda a Europa. Despesas significativas com compra de armamentos também estão planejadas para os próximos anos, ultrapassando 3% do PIB, o maior percentual da UE. Esse cenário também afasta a Polônia da adesão à Zona do Euro, onde a manutenção de um déficit abaixo de 3% do PIB é uma das condições fundamentais para a adoção da moeda comum.
As exigências da UE para que a Polônia reduza seu déficit colocam o governo em uma posição complicada. Cortes orçamentários, incluindo possíveis reduções nos gastos militares, podem se tornar inevitáveis, afetando a capacidade da Polônia de continuar fornecendo o mesmo nível de apoio à Ucrânia. Esse cenário pode enfraquecer a posição ucraniana no conflito, uma vez que a Polônia tem sido um dos seus principais aliados. Diante disso, reduções na assistência militar polonesa poderiam impactar diretamente a capacidade da Ucrânia de sustentar suas operações militares contra a Rússia, especialmente em um momento em que a continuidade do apoio internacional é crucial. A pressão econômica sobre a Polônia também pode influenciar sua disposição em manter o fluxo de ajuda financeira, que tem sido vital para a resistência ucraniana.
Há ainda um aspecto político importante. Em 2023, a oposição liberal-conservadora assumiu o poder na Polônia, sucedendo o partido populista Lei e Justiça. Durante a campanha eleitoral, novas promessas sociais foram feitas, como a criação de uma pensão para viúvas, o aumento do benefício infantil de PLN 500 para PLN 800 por mês e a redução das contribuições para o seguro de saúde. O novo governo enfrenta, portanto, o desafio de cumprir essas promessas sem comprometer a disciplina fiscal exigida pela UE, ao mesmo tempo em que busca manter seu apoio político.
Em um contexto mais amplo, as decisões da Polônia podem ter implicações para a coesão da resposta europeia ao conflito na Ucrânia. Se a Polônia, um dos países mais envolvidos na assistência à Ucrânia, for forçada a reduzir seu apoio, outros países podem seguir o exemplo, enfraquecendo a posição coletiva da Europa contra a Rússia. Além disso, a capacidade da Polônia de manter um papel ativo na segurança regional pode ser comprometida, o que teria consequências de longo alcance para a estabilidade na Europa Central e Oriental. Portanto, as escolhas que a Polônia fizer nos próximos meses não apenas determinarão a trajetória de sua própria economia e política interna, mas também influenciarão o desenrolar do conflito na Ucrânia e a dinâmica da segurança da União Europeia.
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