A China no Ártico
- dri2014
- Mar 19, 2021
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A região do Ártico Polar (ou simplesmente Ártico ou Pólo Norte) é um espaço geográfico marítimo e terrestre que se encontra ao norte do globo terrestre, fazendo fronteira com os oito países que possuem territórios marinhos no polo glacial: Canadá, Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega, Suécia, Estados Unidos (EUA) e Rússia - esses últimos são dois grandes atores internacionais. A China, embora não possua laços geográficos com a região, declarou-se em 2018 como um “Estado próximo à região”, e é observadora do Conselho do Ártico (1996), organização intergovernamental de cooperação que trata de temas enfrentados pelos 8 países que possuem território e populações indígenas no polo glacial.

Sob o argumento de que há questões transregionais e até mesmo globais envolvendo os territórios que compõem o Ártico - especialmente em áreas ligadas às mudanças climáticas, à pesquisa científica, à segurança e ao uso de rotas marítimas especiais -, a China vem aumentando sua presença na região desde a década de 1980. Ao longo dos anos, a China vem conduzindo numerosas expedições, ao ponto de ter construído duas bases de pesquisa (a Estação Rio Amarelo em 2003, nas ilhas Svalbard, e o Observatório Ártico de Ciência China-Islândia, neste último país, em 2018) e a Estação Terrestre Norte Polar Chinesa de Sensoriamento Remoto de Satélite (a primeira fora da China), em 2016, em uma cidade da Noruega, com o intuito de explorar e participar ainda mais no Oceano Ártico.
De fato, as atividades chinesas na região possuem caráter econômico de acesso aos recursos naturais, exemplificado pelo investimento de bilhões de dólares em quase todos os países da região, como na extração mineral na Dinamarca. A Rússia é um dos que mais se beneficiam porque o governo da China investe pesado na extração de gás em mares russos junto com companhias russas, tendo ambos os países construído o gasoduto “Poder da Sibéria”, de 3 mil quilômetros de extensão que liga os campos siberianos ao nordeste chinês, e também porque várias empresas chinesas desempenham papel importante no segundo maior projeto de gás natural no Ártico russo. Entretanto, as ações chinesas no Ártico não ficam restritas ao plano econômico, já que, conforme o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, a movimentação chinesa no norte do globo terrestre também possui objetivos políticos: o uso da rota comercial do norte e o aumento da imagem de grande potência global.
A região do polo glacial do norte torna-se altamente estratégica não só pelos recursos naturais que podem ser explorados, mas também porque, com as mudanças climáticas e a previsão de derretimento das geleiras, uma rota marítima para uso comercial que liga o Atlântico ao Pacífico seria aberta. Com a diminuição do gelo, uma parte do oceano ártico ficaria navegável durante o verão, e essa rota impactaria as atividades comerciais da região no comércio internacional e no fornecimento de energia dos países que ali conseguirem se instalar - o que implicará no aumento da presença diplomática, política e militar das nações no polo norte. Desse modo, a colaboração sino-russa na “Rota do Mar do Norte” é ainda mais atraente, visto que alguns especialistas acreditam que a rota seria cerca de 40% mais rápida do que a mesma viagem através do Canal de Suez, reduzindo significativamente os custos de combustível e o tempo do transporte, e também retira dos cálculos de viagem os piratas que frequentemente assolam embarcações no estreito de Malaca (Malásia) e no Oceano Índico. No projeto da Rota do Mar do Norte, a Rússia fica responsável pelos terminais marítimos e a logística para viabilizar a rota, e a China cabem os vultosos montantes de investimentos que a iniciativa chinesa “One Belt, One Road” (“Um Cinturão, uma Rota”) disponibiliza para aumentar a presença do país ao redor do mundo.
Todavia, a incisiva postura chinesa no polo glacial do norte não está ocorrendo sem reação (algumas positivas, outras nem tanto) dos países que possuem territórios - e consequentemente, interesses nacionais - na região. O embaixador da Finlândia denunciou recentemente que a ação chinesa na região reflete a ambição da China de possuir influência global. Já para outros países árticos, a presença chinesa é muito bem-vinda, principalmente por trazer consigo altos investimentos de capital chinês para explorar os recursos naturais, como é o caso da Rússia (25% de seu PIB advém da extração de gás e petróleo dessa região). Os Estados Unidos também observam com apreensão a ação chinesa, e por isso encorajam alguns países europeus do Ártico a rejeitarem ofertas chinesas de construção de portos e infraestrutura na região em troca de investimentos ainda melhores (como fez com a Dinamarca para essa negar a instalação chinesa de aeroportos internacionais na Groenlândia). Os EUA também têm realizado diversos exercícios militares na região: em 2018, um grupo de porta-aviões tornou-se a primeira força tarefa a operar no oceano ártico, e em janeiro de 2019, os EUA fizeram o primeiro exercício militar no oceano ártico com a 2ª Armada Naval Estadunidense. Neste ano, o presidente Biden também não abriu mão de demonstrar força e anunciou o envio, em fevereiro, de 200 homens e 4 bombardeiros para treino no Ártico. Além disso, outros atores das relações internacionais também mostram preocupação: a União Europeia, em março de 2019, declarou formalmente a China como um “rival estratégico”, e mesmo a Dinamarca - da qual a Groenlândia é território autônomo - acusou a China de ter duplo propósito, isto é, civil e militar, na região. O governo canadense mostrou igual preocupação em relação às ambições chinesas no Ártico. O Canadá tem adotado legislação para proteger a possível rota marítima conhecida como “Passagem Noroeste”, classificando-a com um status jurídico semelhante ao de águas interiores. O governo chinês, por sua vez, rebate as acusações de suposta hegemonia na região ao afirmar que suas ações não são meramente econômicas, mas voltadas principalmente para expedições de pesquisa e ações humanitárias.
Assim como seus predecessores, ao governo Biden deseja manter a presença americana para a defesa de seus interesses na região, mas diferentemente da administração Trump, resolveu reaproximar o país do Conselho do Ártico para a promoção de sua agenda verde - pauta cara a seus eleitores. As tensões entre EUA, China e Rússia, dessa forma, tendem a aumentar, já que o chefe de Estado americano já expressou seu desejo de estabelecer um compromisso global de preservar as águas do Ártico da exploração de petróleo e gás.
As mudanças climáticas e as preocupações de segurança decorrentes da ação de grandes países na região mostram que o Ártico vem ganhando cada vez mais relevância no tabuleiro do jogo internacional, assim como a Antártida (polo glacial sul) o fez em 1959. Dessa forma, é muito provável que a China aumente ainda mais seu peso geopolítico na gestão do Ártico. Com o crescente movimento chinês, a região, que antes não chamava tanto a atenção, passou a ser mais uma zona estratégica de disputa entre os países do sistema internacional.
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