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O Crescente Isolamento da China


Desde 2018, China e Estados Unidos vêm arrastando um conflito, marcado por barreiras comerciais, imposição de sanções e até acusações de espionagem de ambos os lados.

No campo econômico, após Trump intensificar medidas protecionistas para ajustar os termos de troca na relação comercial bilateral, uma série de obrigações tarifárias aos produtos chineses deu início a guerra comercial de fato. Tal concorrência ultrapassou o sentido comercial, pondo em jogo um desejo comum, mas antagônico: o protagonismo na economia global das próximas décadas. Por muito tempo, os EUA foi o líder mundial de diversos setores tecnológicos. Contudo, nos últimos anos, mediante instrumentos de política comercial nem sempre lícitos e hacking de tecnologia, Pequim tem se tornado um concorrente à altura pela liderança global. A pandemia do novo coronavírus minou a possibilidade de um ajuste comercial mais amplo entre os dois (pelo menos por enquanto).

A batalha econômica se insere no contexto mais amplo de antagonismo global entre as duas potências. Na tentativa de conter o que considera um expansionismo agressivo chinês, Washington tem adotado uma estratégia de contenção por meio de um regime ampliado e coordenado de sanções, aliado a formação de um bloco de países alinhados contra a China.

Mais recentemente, o Secretário de Estado, Mike Pompeo, considerou as reivindicações chinesas no Mar do Sul da China como sem base no direito internacional, e anunciou que 24 empresas estarão sendo sancionadas por operar na região em apoio às ações chinesas na área reivindicada pela China. Essas instituições, de acordo com o Departamento de Comércio, devem ser responsabilizadas pelo envolvimento na construção de ilhas artificiais chinesas e bases militares nas águas disputadas desde 2013. A lista de empresas inclui a estatal China Communications Construction Company, que desempenha um papel significativo no processo de expansão almejado por Pequim. Apesar de não reivindicar espaço marítimo no Mar da China Meridional, os EUA defendem as liberdades do alto mar, incluindo a de navegação, e apoiam o pleito territorial marítimo de outros países do sudeste asiático e da Oceania.

Outro importante fator de condenação dos Estados Unidos com relação à China tem sido a questão da violação dos direitos humanos, principalmente com relação a dois pontos: a repressão às minorias étnicas que se aproxima de práticas genocidas, sobretudo os uigures na província de Xinjiang e os mongóis da província da mongólia interior, e as acusações de políticas não-democráticas e violadoras de direitos humanos em Hong Kong.

No fim de julho, sob acusações de graves violações de direitos humanos contra minorias, uma poderosa empresa chinesa, a Xinjiang Production and Construction Corps (XPCC), e duas autoridades da região autônoma chinesa de Xinjiang foram alvos sanções por parte de Washington. Sobre tais violações, Pompeo afirmou que tais atos “contra os uigures e outras minorias muçulmanas são a mancha do século”. Na prática, as sanções aplicadas pelos EUA, além de congelar quaisquer ativos americanos da empresa e dos funcionários, proíbem os envolvidos de viajar aos EUA e impedem os americanos de negociarem com eles. O Departamento do Tesouro também emitiu uma licença, autorizando certas transações de liquidação e desinvestimento, além do bloqueio de atividades relacionadas às subsidiárias da XPCC, até 30 de setembro.

Mais recentemente, no mês de agosto, o Tesouro americano impôs, por meio da Ordem Executiva (EO) 13936, uma série de sanções a indivíduos, empresas e instituições, chinesas ou estrangeiras, dessa vez, associadas aos abusos de direitos humanos na região autônoma de Hong Kong. O órgão listou 11 indivíduos específicos, dentre eles secretários e comissários da Região Administrativa Especial de Hong Kong (HKSAR), que, ao entendimento americano, “implementaram políticas visando limitar diretamente a liberdade de expressão e de reunião e os processos democráticos”. As punições aplicadas implicam no bloqueio dos bens e propriedades dos indivíduos listados, e de quaisquer entidades que sejam propriedade, direta ou indiretamente, de forma individual ou com outras pessoas bloqueadas, que se encontrem nos Estados Unidos ou na posse ou controle de pessoas dos EUA.

As consequências práticas para os bancos que operam em Hong Kong podem ser sérias, dado o impedimento de fazer negócios com os indivíduos, empresas e instituições sujeitos às sanções e a imposição de congelar seus ativos ou arriscar multas. Além das sanções irem além de apenas focar em alguns indivíduos, abrangendo empresas, as transações financeiras de bancos não americanos também podem ser afetadas, apenas por passarem pelo sistema financeiro estadunidense.

A imposição dessas sanções ocorre num contexto recente de estremecimento das relações bilaterais sino-americanas: vale lembrar que, semanas atrás, ocorreram fechamentos de consulados, de forma recíproca, nas cidades de Chengdu e Houston, após acusações de espionagem chinesa, e no último mês, o governo Trump anunciou restrições a aplicativos de companhias chinesas, o TikTok e o WeChat, alegando preocupações com a segurança nacional.

Além dessas pressões externas, a China ainda enfrenta outros desafios. O PIB chinês ficou negativo pela primeira vez em décadas, porém houve uma recuperação robusta de 3,2% no segundo trimestre do ano (se os dados do governo chinês podem ser confiáveis), evitando uma recessão e colocando o país de volta em uma trajetória de crescimento, que teria sido impulsionada principalmente por medidas de estímulo governamental para combater o choque da crise do coronavírus.

Todavia, a China ainda tem que enfrentar outras questões internas que perturbam sua estabilidade. As inundações recentes, provocadas pelo período de monções da Ásia, estão afligindo majoritariamente o sudeste chinês e representam uma ameaça à manutenção da estabilidade chinesa, visto que a infraestrutura chinesa não está sendo capaz de lidar com repetidas enchentes que atingem áreas urbanas densamente populosas e vastas áreas de terras industriais e agrícolas, sendo capazes de produzir perdas materiais e humanas significativas, principalmente quando se leva em conta que o Cinturão Econômico do Rio Yangtzé abriga mais de 40% da população da China e é responsável por quase 50% do valor de suas exportações e 45% do seu PIB, e que as inundações estão localizadas nas maiores regiões produtoras de grãos do país.

Não só isso, mas também pragas abalam algumas das principais áreas produtivas chinesas. É relatado que somente na província de Yunan, gafanhotos devoraram plantações que cobriam 90 quilômetros quadrados, uma área de mais de 9 mil campos de futebol. Do mesmo modo, lagartas do cartucho, que têm a habilidade de devorar lavouras inteiras, foram detectadas em quase toda a extensão da China e apenas cinco províncias ainda estão livres dos bichos. Conjuntamente, a peste suína dizimou 180 milhões de animais na China entre 2018 e 2019, o equivalente a 40% do rebanho, fazendo com que houvesse US$ 141 bilhões em prejuízo e que os preços subissem 86% em relação a 2019. Posto que a situação de crise é agravada pelas epidemias nos rebanhos e pela queda da safra da China, para evitar uma escassez de alimentos causada por esses fatores, a China aumentou a importação de commodities, gerando uma alta nos preços dessas mercadorias mundialmente.

Já no plano internacional, a estratégia territorial de Xi Jinping, tida por diversos países da região como expansionista e ofensiva, tem aumentado as tensões no Mar do Sul da China, no Mar da China Oriental, e nas fronteiras terrestres chinesas (com a Índia, Brunei, Nepal, etc), intensificando o isolacionismo da nação e abrindo espaço para a formação de alinhamentos encabeçados pelos Estados Unidos para conter a China. Estados Unidos, Índia, Japão, Coreia do Sul, estão se articulando para aliciar os países da ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático) para uma ampla frente de contenção contra a China, que envolve cooperação na área militar. Tomando proveito da situação, a Índia e outros países asiáticos, como o Vietnã, também se colocam como uma alternativa viável à China na cadeia produtiva global, atraindo investimentos estrangeiros e empresas que antes se instalaram na China.

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