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Acirramento da tensão greco-turca no Mar Egeu


Recentemente, Grécia e Turquia, duas nações mediterrâneas que dividem uma pequena fronteira terrestre, mas que partilham um amplo espaço marítimo, se viram postas em uma disputa marítima mais séria. Em julho, o governo turco anunciou o envio de uma missão exploratória para uma área do Mar Mediterrâneo disputada pelos dois países e relacionada às descobertas de grandes depósitos de gás na região. A tensão começou com o anúncio da Turquia de que seu navio de pesquisa geológica Oruç Reis havia iniciado atividades de exploração com navios de prospecção de petróleo e gás em uma área ao sul da ilha de Kastellorizo, que a Grécia considera parte de sua Zona Econômica Exclusiva (ZEE).

A divulgação do plano de "pesquisa" turco na parte leste do Mediterrâneo provocou discórdia não só entre os governos de Ancara e Atenas, como também do Egito, do Chipre e da França, causando uma crise diplomática. Graças à atuação da Alemanha, por intermediação da chanceler alemã, Angela Merkel, a crise pôde ser atenuada. Entretanto, mesmo após suspender temporariamente a pesquisa na região, Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia, anunciou a retomada da missão, e somado a isso, um incidente de caráter militar com a Grécia ocorreu na região no mês de agosto. No dia 12 deste mês, a fragata turca Kemal Reis, uma das cinco escoltas enviadas para proteger o navio de exploração Oruç Reis, e Limnos, uma velha fragata grega encarregada de proteger a ZEE da Grécia, acabaram colidindo após uma manobra desajeitada.

Vale lembrar que as controvérsias entre a Grécia e a Turquia não são novidade: as nações já se enfrentaram em guerras nos séculos XIX e XX e trazem em sua tensa relação o eterno impasse sobre as delimitações marítimas. O ponto central da mais recente crise envolvendo os países surgiu há alguns anos, quando descobriu-se imensas reservas de gás na costa do Chipre, país soberano atualmente parte da União Europeia.

Na contemporaneidade, os dois países discordam sobre o status do Chipre, atualmente dividido em dois após uma invasão turca em 1974. Desde então, a porção insular do Leste do Mediterrâneo divide-se entre a República de Chipre, internacionalmente reconhecida, e a República Turca do Chipre do Norte, reconhecida como independente apenas por Ancara. Grécia e Turquia chegaram à beira da guerra em 1996, pelas disputadas ilhotas do Mar Egeu e continuam ainda a disputar por elas.

Além de se entender os lados jurídicos e políticos da questão atual, é necessário também buscar compreender os outros Estados da região nesse conflito.

Em agosto de 2020, o parlamento grego concluirá o processo de votação para ratificar acordos marítimos, de demarcação marítima, com o Egito e a Itália. Com o governo italiano, a delimitação das respectivas plataformas continentais no Mar Jônico, localizado ao sudeste da Itália e a oeste da Grécia, foi ajustada no mês de junho. Já o tratado grego-egípcio sobre a delimitação da ZEEs foi assinado no dia 6 de agosto e aprovado por Cairo no dia 18. Tal negociação, amplamente defendida por Atenas, entre em conflito com um memorando de entendimento (MoU) entre Turquia e Líbia, considerado ilegal e fortemente criticado até pela União Europeia, e que ainda intensificou a rivalidade greco-turca no Mediterrâneo Oriental.

Foi nesse contexto de litígio que Ancara despachou o navio de pesquisa sísmica e uma escolta de navios de guerra em águas reivindicadas pela Grécia. O ocorrido gerou uma nova escalada na disputa marítima entre a Turquia, por um lado, e um bloco formado por Grécia, Chipre, Egito, Israel e agora a França.

A partir daí, a Grécia buscou apoio da UE, através do Conselho Europeu, reivindicando a imposição de sanções ao governo turco, semelhantes as que foram aplicadas contra a Bielorrússia após suas eleições terem sido apontadas como corrompidas. Contudo, contrariando as expectativas de Atenas, tanto o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, quanto a chefe da Comissão Europeia, Ursula Von Der Leyen, não propuseram resoluções específicas, apenas prometeram uma discussão futura do caso, ponderando o relacionamento de longa data com a Turquia.

A Alemanha, que está na atual presidência rotativa da UE, apesar de ter agido numa tentativa de intermediação no conflito, tem sido duramente criticada por adotar uma postura neutra. Para os gregos, esse posicionamento incentiva a agressividade da movimentação turca nessa disputa.

Já a França, notória por ser o país europeu a fazer maior antagonismo a Ancara, principalmente pela questão da Líbia, e também membro da OTAN, destacou navios de guerra em águas disputadas no Mediterrâneo oriental e declarou sua posição de apoio à Grécia. Essa aproximação gerou críticas por parte de Erdogan, que declarou: “Estamos presenciando provocações por parte de um país que não tem litoral no leste do Mediterrâneo empurrando a Grécia e Chipre a tomar medidas erradas”. Somado a isso, a Turquia se vê em desvantagem em relação a Israel, por este ter celebrado um acordo histórico com seu inimigo regional, os Emirados Árabes Unidos (EAU), além de que Israel, antes o país mais carente de energia do Oriente Médio, anunciou em 2010 que tinha uma enorme reserva de hidrocarbonetos em um campo chamado de Leviathan situado na sua costa mediterrânea.

Outras nações também anunciaram descobertas de petróleo e gás no leste do Mediterrâneo ao longo da década passada, impulsionando o sentimento de ambição da Turquia, que não encontrou nenhuma nova reserva de petróleo própria no Mediterrâneo. Assim, rejeitando aderir à Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, que seria desfavorável às suas reivindicações, a Turquia tenta a todo custo obter mais área marítima por medidas unilaterais, contrapondo a Grécia no que concerne a situação das ilhas gregas e apoiando a república separatista do Norte do Chipre.

A Grécia possui a vantagem diplomática de integrar a União Europeia, podendo mobilizar o apoio do bloco à sua posição nessa disputa. Por outro lado, tanto a Grécia e a Turquia são membros da OTAN, o que inviabiliza o acionamento da cláusula de solidariedade contra um dos dois. A melhor saída para o impasse seria o recurso a um dos meios pacíficos de solução de controvérsias internacionais, como, por exemplo, a Corte Internacional de Justiça ou aos mecanismos pacíficos previstos na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (como o Tribunal Internacional para o Direito da Mar).

Tendo em vista a atual situação do desentendimento, a Turquia contribui para o agravamento das tensões internacionais e se isola ao priorizar a promoção de sentimentos nacionalistas, sobretudo por vontade de Erdogan, que está disposto a aumentar os riscos militares em detrimento de relações amistosas com seus vizinhos do Oriente Médio e Europa.

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