Paz no Oriente Médio?
Os líderes dos Estados Unidos, Israel e Emirados Árabes Unidos (EAU) anunciaram na última quinta-feira, 13 de agosto, a conclusão de um compromisso que ambiciona ser um passo inicial para a estabilização do tenso relacionamento entre israelenses e árabes no Oriente Médio. Em um anúncio surpresa na Casa Branca, o presidente estadunidense Donald Trump, que atuou na intermediação entre as partes, relatou que o acordo assinado entre o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, e o príncipe herdeiro dos Emirados Árabes Unidos, Mohammed bin Zayed al-Nahyan, visa a normalização total das relações entre seus países.
Vale lembrar que, desde a criação do Estado israelense, em 1948, até o final da década de 1970, Israel não tinha relações diplomáticas com países árabes e várias guerras ocorreram envolvendo as partes. Na Conferência de Kartum, em 1967, a Liga dos Estados Árabes adotou resolução que preconizou o não reconhecimento de Israel, a não negociação com Israel, e a não adoção de tratado de paz com Israel. A situação apenas mudou parcialmente com a assinatura do tratado de paz entre Israel e Egito, em 1979, e entre Israel e Jordânia, em 1994.
O documento acordado entre os EUA, Israel e EAU lança então as bases para a aproximação entre os dois Estados, que não tinham relações diplomáticas formais entre si. Com esse novo ímpeto cooperativo, espera-se que, nas próximas semanas, as delegações de Israel e dos Emirados Árabes Unidos se reúnam para firmar tratados bilaterais relativos a algumas temáticas importantes, como investimentos, turismo, voos diretos, segurança, telecomunicações, tecnologia, energia, saúde, cultura, meio ambiente, além do estabelecimento de embaixadas recíprocas e outras áreas de mútuo benefício.
Resultante também deste considerável avanço diplomático, e especialmente a pedido do presidente Trump com o apoio dos Emirados Árabes Unidos, os acordos entre as nações do Oriente Médio abrangem ainda uma temática delicada para Israel: a expansão israelense sobre territórios cisjordânios. Ficou acordado que Israel suspenderá a declaração de soberania sobre as áreas delineadas na Cisjordânia e concentrará seus esforços agora na expansão dos laços com outros países do mundo árabe e muçulmano. No entanto, as declarações de Netanyahu, repercutidas após a assinatura, sinalizaram outra direção e denotam problemas num futuro breve: “Assim como trouxe paz, também trarei soberania. Nunca desistirei dos nossos direitos em nosso país”, afirmou o primeiro-ministro.
Apesar da finalidade do acordo ser positiva para a região como um todo, essa não é uma realidade pensada para incluir a Palestina, novamente deixada de lado. Contudo, há benefícios de curto prazo para outros envolvidos. Para Netanyahu, tira-se de cena sua promessa de soberania à Judeia e Samaria, que se mostrou praticamente impossível de se realizar, principalmente devido à contestação internacional e ambiguidade dos EUA. Para Al-Nahyan, o acordo foi capaz de frear temporariamente as empreitadas israelenses na palestina, e, além de consolidar seu relacionamento com os EUA, tal resolução pode lhe render benefícios econômicos, científicos e de segurança. Para Donald Trump, num momento de obscuridade de sua reeleição, a intervenção de Washington no processo pode significar uma luz no fim do túnel, e um aumento do seu prestígio internacional. Além disso, com esses novos acordos, os Emirados Árabes Unidos e Israel vão expandir e acelerar imediatamente a cooperação em relação ao tratamento e ao desenvolvimento de uma vacina para o coronavírus.
O estabelecimento de relações diplomáticas plenas, juntamente com a troca de embaixada e a normalização dos laços comerciais entre Israel e os Emirados Árabes Unidos representam, de fato, um passo diplomático significativo, ainda que não incondicional, dado o contexto belicoso do Oriente Médio. Na opinião do presidente estadunidense, tais decisões servirão de inspiração para que outros países do mundo árabe e muçulmano adotem uma postura semelhante a dos Emirados Árabes Unidos.
Alguns efeitos práticos do acordo já estão sendo sentidos nas relações entre os países árabes e Israel. Os EAU e Israel também se juntarão aos EUA para lançar uma "Agenda Estratégica para o Oriente Médio", com os três líderes observando que “compartilham uma perspectiva semelhante em relação às ameaças e oportunidades na região, bem como um compromisso comum de promoção estabilidade por meio de engajamento diplomático, maior integração econômica e maior coordenação de segurança”.
No entanto, apesar das altas expectativas quanto à cooperação entre as nações, nota-se que os dois países tiveram motivações diversas ao entrarem em acordo. Mohammed bin Zayed apresentou o assunto como se tivesse exigido concessões de Israel, enfatizando a suspensão dos planos de soberania sobre a normalização, enquanto Netanyahu prezou por uma fórmula de “paz pela paz”, baseada em interesses compartilhados, enfatizando a cooperação econômica e a paz que vem de uma posição de força, ao invés de paz em troca de concessões. A normalização completa de relações entre os dois Estados foi intermediada pelos EUA, que os têm como dois fortes aliados na região, e sinalizaram para um possível movimento semelhante de outras nações árabes. Desse modo, fontes em Washington e Jerusalém disseram que a administração Trump já está em negociações com outros Estados do Golfo, como Bahrein, para chegar a acordos de normalização com Israel.
Essa movimentação marca uma oficialização de relações entre Israel e os Estados do Golfo, visto que o Mossad, agência de inteligência de Israel, investiu em relações clandestinas com esses Estados por anos, e seu diretor, Yossi Cohen, tem se encontrado frequentemente com contrapartes nos Emirados, Arábia Saudita, Qatar, Jordânia e Egito. Isso se deu principalmente por conta de preocupações comuns acerca do Irã, e revela uma mudança na dinâmica política da região, onde os países árabes sunitas veem cada vez mais o Irã, de maioria xiita, como um inimigo maior do que Israel e estão menos dispostos a condicionar as relações bilaterais a uma possível resolução do conflito com os palestinos.
Em virtude disso, o Irã rechaçou o acordo, visto que a normalização de relações entre dois inimigos regionais aliados dos EUA significa uma clara desvantagem. Como reação, o ministro das Relações Exteriores do Irã declarou à agência de notícias estatal IRNA que o acordo era "perigoso e ilegítimo", além de classificá-lo como "vergonhoso". Além do Irã e seus aliados (Iraque, Síria e Líbano), a Turquia pode ser um outro país de peso que se oporá ao acordo. As organizações palestinas seguramente articularão uma frente de oposição. Em Gaza, o grupo militante Hamas chamou o acordo de "uma facada nas costas de nosso povo", e Ahmad Majdalani, membro do Comitê Executivo da Organização para a Libertação da Palestina, afirmou que “Este acordo é um desvio total do consenso árabe. O povo palestino não autorizou ninguém a fazer concessões a Israel em troca de nada”.
A despeito de todas as dificuldades, o acordo entre Israel e Emirados Árabes, já tido como histórico, mostra seus efeitos políticos na região, dando início a uma nova tendência de aproximação entre antes inimigos declarados, forçando uma mudança na organização estratégica dos Estados atuantes no Oriente Médio.