A estratégia iraniana para enfrentar o isolamento
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No início do ano de 2020, a comunidade internacional observou com receio e apreensão a escalada do conflito entre Estados Unidos e Irã, em desentendimento profundo desde que Donald Trump retirou seu país do acordo nuclear assinado três anos antes entre o Irã e o grupo P5+1 (os 5 membros permanentes do Conselho de Segurança e a Alemanha), e restabeleceu um conjunto de sanções.
A tensão na região e o isolamento iraniano se agravaram quando um ataque com foguetes contra uma base militar em Iraque matou dois membros das forças armadas americanas e feriu vários militares e funcionários iraquianos, ainda no fim de 2019. Na época, as autoridades americanas culparam o Kataib Hezbollah, um grupo apoiado pelo Irã, pela investida e realizaram retaliação em locais no Iraque e na Síria pertencentes ao grupo. Após o ocorrido e fortes indícios de que o Irã e/ou grupos aliados poderiam estar planejando ataques adicionais aos interesses estadunidenses no Oriente Médio, os EUA, num ataque aéreo no dia 3 de janeiro antes do amanhecer no aeroporto do Iraque, em Bagdá, mataram o comandante da Força Quds Iraniana, Qassem Soleimani, e Abu Mahdi al-Muhandis, vice-comandante do grupo, apoiado pelo Irã no Iraque, conhecido como Forças de Mobilização Popular.
Quando o general iraniano Soleimani foi atingido por três mísseis americanos, Teerã respondeu à altura, com o lançamento de mísseis balísticos a uma base de tropas estadunidenses. Tal situação quase provocou um confronto direto entre as duas nações, que, com o passar dos meses, se distanciaram cada vez mais de uma conciliação. Desde esses episódios belicosos e até mais recentemente, no fim de junho, o mandado de prisão iraniano a Donald Trump e dezenas de seus assessores, juntamente com um pedido à Interpol de ajuda em suas detenções, uma série de decisões contribuíram para o isolamento diplomático e comercial do Irã.
Após o abatimento de um avião civil num voo com destino a Kiev da Ukraine International Airlines, minutos após sua decolagem do Aeroporto Internacional Imam Khomeini em Teerã, que matou todas as 176 pessoas a bordo, o Irã foi internacionalmente bastante pressionado. O país, enfrentando a revolta do público e da comunidade internacional, negou ter acobertado o ocorrido, depois de levar dias para que as autoridades iranianas admitissem que o avião foi abatido por engano.
No desenrolar dos meses seguintes, duras sanções econômicas foram aplicadas contra Teerã, especialmente por parte dos estadunidenses, que, segundo o Secretário de Estado dos EUA, visam principalmente a indústria petroquímica do Irã, e buscam aumentar o isolamento econômico e diplomático do país. A nação do Oriente Médio, muito afetada pelo regime de sanções imposto, por sua vez, acusou os EUA de passar do "terrorismo econômico" para o "terror médico", devido à manutenção das sanções desde que o surto de coronavírus no país começou em fevereiro.
Embora as sanções norte-americanas estejam entre as medidas de maior impacto impostas ao Irã, um conjunto mais restrito de sanções multilaterais emitidas pelas Nações Unidas e pela União Europeia permanece em vigor. Essas sanções têm como alvo os programas militares e de mísseis do Irã, que permanecem sujeitos a restrições da ONU, até 2020 e 2023, respectivamente.
No momento, os EUA estão em uma missão diplomática para garantir a continuação de um embargo de armas da ONU ao Irã, que expira ainda em outubro deste ano. Estabelecida em julho de 2015, a proibição de venda de armas ao Irã foi imposta por meio da Resolução 2231 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, aprovada de forma unânime. Com relação ao bloqueio, o representante especial dos EUA para o Irã afirmou que, muito embora o embargo limite a capacidade dos iranianos de mover armas livremente, o Irã contrabandeia armas e tem a capacidade de oferecê-las à Síria e ao Iêmen, seus representantes na região, e ressaltou que “quando esse embargo expirar, eles poderão fazer essas coisas em plena luz do dia".
É nesse contexto de desgaste, e tensionamento das relações com os EUA, que o Irã vem buscando diversificar suas alternativas de parcerias internacionais, objetivando, sobretudo, sair do isolamento imposto nas áreas diplomática e comercial. Nessa perspectiva, duas ações iranianas chamam atenção e merecem destaque: a primeira é um acordo amplo de comércio e de segurança, com a China; a outra trata-se de um acordo com a Índia e com a Rússia para estabelecer uma rota comercial que seja uma alternativa para o Canal de Suez.
O Irã, com seu forte sentimento antiamericano, grandes reservas militares e vastas reservas de hidrocarbonetos, sem dúvida, representa uma peça importante no tabuleiro estratégico da China. O recente acordo sino-iraniano, ainda não finalizado, mas estimado na ordem de 400 bilhões de dólares, prevê investimentos maciços em infraestrutura e uma cooperação mais estreita nas áreas de defesa e inteligência. A gigantesca cooperação com o Irã aumentaria os investimentos chineses em infraestrutura bancária, de telecomunicações e de transporte, incluindo aeroportos, ferrovias e zonas de livre comércio, como parte da Iniciativa Cinturão e e da tentativa de Pequim de transformar sua hegemonia regional em mundial.
É notável como essa parceria figura-se como uma opção positiva para ambos os Estados. Se, por um lado, a China almeja conseguir um suprimento barato de petróleo e aprofundar seus vínculos estratégicos no Oriente Médio, em contrapartida, o Irã, que praticamente não tem mais a quem recorrer em questão de investimentos estrangeiros, tem a chance de obter benefícios econômicos significativos e reverter, em parte, o seu isolacionismo. Se finalizada, a China obteria enorme influência nessa região geopolítica crítica e, simultaneamente, ajudaria o regime iraniano vigente sem apoio. O problema, para o Irã, é que ele se tornará uma colônia da China.
É notório que as hostilidades entre Estados Unidos e China têm tomado proporções que vão além do seu relacionamento bilateral. Nesse sentido, de forma lógica, a parceria entre Teerã e Pequim contribui ainda mais para a tensão com os EUA, pois contraria e ameaça os interesses norte-americanos de segurança e energia no Oriente Médio e na Eurásia. Mesmo que o acordo não tenha sido ratificado pelas duas partes, esse é um desafio claro à pressão estratégica, econômica e comercial estadunidense em relação ao Irã, e também um sinal claro de alinhamento dos inimigos geopolíticos de Washington.
A cooperação militar, prevista no tratado, é uma das principais preocupações do Departamento de Estado americano, pois, em sua concepção, significa que o governo chinês aprova as atitudes do regime iraniano, considerado o maior provedor do terrorismo no mundo. Já para os países aliados, o pacto é uma possibilidade de enfrentar esse inimigo comum liderado por Washington.
Além da China, o Irã também vem buscando outros parceiros internacionais, tendo como objetivo atenuar os efeitos econômicos causados pelas sanções americanas. Nesse âmbito, a Rússia se destaca pela sua colaboração com o regime iraniano e pelo fato de que também é alvo de sanções americanas. Apesar de competirem pela influência no Oriente Médio, a relação russo-iraniana é a de aliados estratégicos e mostra alguns pontos convergentes, entre eles o conflito na Síria, no qual os dois apoiam o governo de Assad, e a presente rivalidade com os EUA.
Somado a isso, em 2018, o Irã também assinou um acordo provisório de livre comércio de três anos, que poderá se desenvolver para a condição de membro, com a União Econômica da Eurásia (EAEU). Entre os participantes do bloco se encontram: Rússia, Bielorrússia, Armênia, Cazaquistão e Quirguistão.
O estreitamento de laços com vizinhos asiáticos traz mais horizontes para a abertura de um possível corredor que diminuiria o tempo de transporte de mercadorias para alguns desses países e, consequentemente, competiria com o Canal de Suez. Localizado no Egito, o Canal de Suez teve sua construção concluída em 1869, e desempenha um papel essencial no comércio entre Europa e Ásia, pois conecta o Mar Mediterrâneo ao Mar Vermelho e provém a menor rota marítima entre Europa e as terras ao redor dos oceanos Índico e oeste do Pacífico, fazendo com que os navios não precisem contornar o continente africano para chegar ao seu destino e nem que se realize o trajeto por terra, o que seria mais caro. Atualmente, no ano de 2019, ele foi capaz de movimentar cerca de 18.880 navios com uma tonelagem líquida de 1,2 bilhão de toneladas, gerando uma receita líquida de US$ 5,8 bilhões para o Egito.
O projeto multinacional, competidor do Canal de Suez, incluiria Chabahar, porto localizado a sudoeste iraniano, na costa do Golfo de Omã, para interligar rotas ferroviárias, rodoviárias e marítimas que atravessam Índia, Irã, Armênia, Azerbaijão, Rússia, Ásia Central e Europa (Hamburgo), para integrar o Corredor Internacional de Transporte Norte-Sul (INSTC). A integração de infraestrutura inserirá o Irã numa rota comercial importante, minorando os efeitos de sanções econômicas e ajudando o país a romper isolamento diplomático.