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A assertividade chinesa no xadrez estratégico das potências


Nos últimos tempos, é inegável o grande destaque que a China tem recebido por suas ações como um player internacional no tabuleiro geopolítico. São várias as questões, desde planos econômicos ambiciosos, como a Nova Rota da Seda e o Made in China, crescentes investimentos externos diretos (IED), e novas tecnologias como o 5g, mas o que tem gerado maior preocupação e reação é sua agressiva política de defesa e afirmação de reivindicações territoriais. Declarações e ações concretas da China no Mar da China Meridional, no Mar da China Oriental, na fronteira sino-indiana, e em relação à Taiwan, têm afetado simultaneamente os interesses nacionais de vários países, alguns deles potências regionais e extrarregionais. Assim como é fundamental entender as condutas chinesas, muitas vezes consideradas controversas, faz-se de grande importância também acompanhar a reação das várias potências regionais e extrarregionais, sobretudo os EUA, o Japão, a Índia, e as nações do Sudeste Asiático.

A Índia, diante da escalada recente de conflitos fronteiriços da disputa fronteiriça de longa data com a China, e após cerca de vinte de seus soldados serem mortos em combates em um local disputado de fronteira no vale do Galwan, no Himalaia, já tem demonstrado sinais de um sentimento “anti-chinês”. A reação indiana envolveu medidas militares e econômicas. No plano militar, novos reforços foram enviados para a região e a Índia encomendou mais equipamentos militares para suas forças armadas. Numa aproximação estratégica sem precedentes, dirigido contra a China, navios de guerra indianos e japoneses realizaram um pequeno exercício conjunto em direção ao Estreito de Malaca, na região do Oceano Índico, no mês de junho. Além disso, a Índia reforçou sua Força Aérea, com a aquisição de novos caças, e assinou acordos com os EUA, França, Coréia do Sul, Cingapura e Austrália para estender seu alcance operacional naval em resposta à crescente presença da China na Região do Oceano Índico, que testemunha incursões regulares por navios de guerra e submarinos do Exército de Libertação Popular chinês.

Nas relações econômicas, embora o governo indiano não tenha anunciado de forma explícita um boicote à China, constata-se que os estados e as empresas do setor público do país foram solicitados a desistir de emitir novos contratos para empresas chinesas. É importante entender e salientar, no entanto, as limitações quanto à margem de manobra da Índia frente a essa situação. Se por um lado a China é o segundo maior parceiro comercial da Índia, depois dos EUA, os chineses têm bem menos a se preocupar, visto que a Índia corresponde a apenas 3% de suas exportações. Em muitos setores, a economia indiana é muito dependente da China, principalmente na importação de componentes-chave e bens intermediários cruciais, além dos investimentos nos “unicórnios” indianos, startups de tecnologia avaliados em mais de US$ 1 bilhão.

Além disso, o governo indiano baniu dezenas de aplicativos chineses e, de acordo com relatos, pediu às empresas de comércio eletrônico que mostrassem o país de origem para os produtos que vendem, inflamando anseios populares de boicote aos produtos oriundos da China. Nesse sentido, Amit Bhandari, analista da Gateway House, um think tank de Mumbai, avalia que a medida tomada de boicote aos aplicativos chineses populares, como o TikTok e o WeChat, pode ser mais eficaz do que boicotar bens físicos em termos de valor agregado, porque existiriam várias outras alternativas. O Ministério de Tecnologia da Informação da Índia afirmou que tal proibição, estabelecida duas semanas após o violento conflito, estava enraizada em preocupações com a segurança e soberania nacional, bem como no desejo de proteger a privacidade e a segurança dos dados dos consumidores.

No Mar da China Meridional, quase em sua totalidade reivindicado pela China, o país construiu ilhas artificiais e as transformou em bases militares, instalando pistas para aviões militares e sistema avançado de mísseis. Na afirmação de sua alegada soberania, navios militares chineses estão abordando e impedindo barcos pesqueiros de países da região, e ameaçando navios militares estrangeiros, enquanto navios pesqueiros chineses possuem ampla liberdade de pesca e navegação. A importância do Mar da China Meridional não deve ser minimizada: um terço do transporte marítimo do mundo passa por ele, transportando mais de US$ 3 trilhões em comércio a cada ano, e contém pescarias lucrativas, cruciais para a segurança alimentar de milhões no Sudeste Asiático, além de ter riqueza em recursos minerais e energéticos. Os EUA e outras potências regionais e extrarregionais preocupam-se também com a liberdade de navegação na área, que estaria sendo limitada pelas ações da marinha chinesa. Para assegurar a liberdade de navegação, os EUA deslocaram para a região três porta-aviões e suas respectivas forças-tarefa, e realizam passagens navais e exercícios navais conjuntos (com países da região) no Mar da China Meridional.

Sentindo-se igualmente ameaçados e tolhidos no Mar da China Meridional, os países da ASEAN (Associação dos Países do Sudeste Asiático, que congrega Brunei, Camboja, Indonésia, Laos, Malásia, Mianmar, Filipinas, Cingapura, Tailândia e Vietnã) vêm se mobilizando. Em 2013, o governo das Filipinas acionou o Tribunal Arbitral, estabelecido com base na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, o qual decidiu que a reivindicação territorial chinesa não tinha base legal. Embora a ASEAN tenha apoiado a decisão, o governo chinês prontamente a rechaçou e continuou a implementar sua política de progressivamente estabelecer seu controle sobre o território marítimo reivindicado. Com o aumento de tensões gerado, o Código de Conduta (COC) negociado entre China e o bloco, que já era marcado por poucos avanços, parece estar cada vez mais longe de chegar a um desfecho, e recentes acontecimentos marcam um alinhamento desses países contra a China, favorecendo a elaboração de um documento estrito e de observância obrigatória para solução de controvérsias.

Já em relação ao Japão, o conjunto de ilhas conhecido por Senkakus, sob administração japonesa desde 1972, recentemente tornou-se fonte de acirramento de tensão com a China (que reconhece o território como Diaoyus). Localizado no mar da China Oriental, a cadeia rochosa de ilhas é considerada parte do território nacional tanto por Tóquio quanto por Pequim. Antes de se tornarem locais totalmente desabitados, a cadeia de ilhas foi moradia de 200 trabalhadores, em sua maioria pesqueiros, no final do século XIX. Após a Segunda Guerra, a força de ocupação dos EUA obteve sua tutela até o Japão assumir novamente o controle em 1972. Contudo, potenciais reservas de petróleo e gás natural, próximas a importantes rotas de navegação, tem despertado o interesse chinês, abalando a relação Japão-China. Em abril, navios da guarda-costeira chinesa permaneceram junto às ilhas disputadas por 4 dias seguidos, e perseguiram navios pesqueiros japoneses na área, o que desencadeou uma reação de guarda costeira japonesa. A situação é delicada, pois, numa eventual confrontação armada entre China e Japão, os Estados Unidos poderão se envolver ao lado do Japão, pois os dois países possuem um tratado de defesa mútuo.

A crescente assertividade territorial chinesa está produzindo resultados estratégicos questionáveis para a China. O agravamento simultâneo das relações com potências regionais e extrarregionais provocou a natural aproximação entre estas numa ampla frente destinada a conter a China.

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