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Guerra na Síria: últimos desdobramentos


A Guerra Civil na Síria, motivada pelo descontentamento de grande parte da população com o governo do ditador Bashar al-Assad, desde 2011, quando ocorreram manifestações consideradas pacíficas, parece estar distante de um fim e protagoniza agora um novo capítulo. A questão em voga no momento envolve a província de Idlib, noroeste sírio, palco durante os últimos meses de intensos conflitos envolvendo Turquia, uma série de grupos armados, e a Síria. Para se compreender a ação turca, é necessário que tenhamos em mente os objetivos almejados por Ancara, levando em conta também o elemento da Rússia no equilíbrio de poder da região.

A Turquia apoia grupos armados sírios que, desde 2011, nos protestos da Primavera Árabe, tentam depor Assad, sem sucesso. Esses grupos armados de oposição acabaram acuados recentemente por uma grande ofensiva dos sírios e dos russos, ficando confinados nas últimas regiões a serem reconquistadas pelo governo sírio: parte de Aleppo e grande parte de Idlib. A província de Idlib, situada na zona de fronteira com a Turquia, é dominada por rebeldes diversos, alguns dos quais representam a última fortaleza dos grupos de oposição ao regime de Bashar al-Assad; há também um substancial elemento armado dos curdos sírios na região.

Nos últimos anos, avalia-se que houve uma escalada desses conflitos: desde 2014, a atuação militar turca vem sendo ampliada, com operações voltadas especialmente contra as milícias curdas sírias, associadas à problemática separatista dos curdos. Desde 2015, as forças atuantes na província são fundamentalmente rebeldes e jihadistas, e em dezembro do ano passado, essa tornou-se alvo de ofensivas militares por parte do governo sírio. Há diversas forças atuando no local: além de Hayat Tahrir al-Sham (HTS), uma aliança jihadista anteriormente afiliada à Al-Qaeda e classificada como uma organização terrorista na Rússia, e sua ramificação Hurras al-Din, identifica-se a Frente de Libertação Nacional, da coalizão rebelde apoiada pela Turquia, e o Partido Islâmico Turquestão, de maioria uigur.

Esses atores estão em contraposição aos interesses do Irã e da Rússia, que são apoiadoras do regime de Assad. Assim, a Rússia, com o objetivo de restabelecer seu status de potência no Oriente Médio, apoiar seu antigo e fiel aliado (Síria), e impedir que um novo governo na Síria permitisse o uso de seu território para passagem de um gasoduto rival do russo, proveu apoio militar para que o exército sírio retomasse as áreas dominadas pelos rebeldes. Nos últimos 5 anos, o exército de al-Assad recuperou a maior parte dos territórios, anteriormente controlados pelos inimigos, com o suporte do poder aéreo russo.

O avanço de tropas turcas sobre o território noroeste da Síria, e sua ocupação, teve a alegada finalidade de tentar estabelecer uma zona-tampão, ou seja, uma barreira de segurança na região de fronteira. A Turquia possuiria, contudo, outros objetivos maiores. Almeja, primeiramente, concentrar naquela região os milhões de refugiados sírios que hoje vivem no país e que, eventualmente, poderiam ser levados para a fronteira com a Grécia, de maneira a pressionar politicamente a Europa. O segundo objetivo diz respeito à questão curda: militarizar essa zona, sob argumento de proteção humanitária e de sua soberania, seria uma forma de impossibilitar que a minoria de curdos que vive ali declare um território independente na região, o que poderia alimentar um movimento secessionista da enorme população curda na Turquia.

Sendo assim, as principais reivindicações de Erdogan, que determinariam o destino da Síria e afetariam a tomada de decisão russa, são, além do fim dos ataques do presidente sírio, Bashar al-Assad, o retorno aos limites de território estabelecidos com Moscou anteriormente, em 2018. É importante mencionar que, nesse ano, o governo de Ancara instalou “postos militares de observação” na região de Idlib e fechou um acordo com os russos para que essa fosse uma zona desmilitarizada.

Com o objetivo de retomar a área, a operação intitulada “O alvorecer de Idlib 2” tirou a vida de 36 soldados turcos em fevereiro. Como resposta, Ancara iniciou a 4° missão militar, Operação Spring Shield, no país. A intensidade dos confrontos deslocou cerca de 300.000 civis no mês passado, pressionando a Turquia, que já abriga 3,6 milhões de refugiados do conflito, e a União Europeia, que depende da contenção turca.

Após longas 6 horas de negociação em Moscou, Vladimir Putin e Recep Tayyip Erdogan firmaram um acordo de cessar-fogo no dia 5 deste mês de março de 2020. A trégua, proposta pelas duas potências que dominam o cenário político e militar da disputa, é um esforço para evitar o enfrentamento direto entre os dois lados. Os principais pontos do compromisso são:

  • Início do cessar-fogo às 00:01, no horário local, do dia 6 de março;

  • Estabelecimento de uma faixa de segurança de 6 km ao norte e 6 km ao sul da estrada M4;

  • Instalação de patrulhas conjuntas entre Turquia e Rússia na rodovia M4, desde o assentamento de Tronba até o de Ain al Havr, a partir do dia 15 de março;

  • Reconhecimento do empenho de ambos em evitar um agravamento da situação humanitária na Síria.

Nesse sentido, as partes não têm muitas opções na mesa para a resolução do conflito. Primeiramente, o cessar-fogo veio como uma alternativa de frear uma possível escalada de confrontos, como já aconteceu anteriormente em outras ocasiões similares. Nessas situações, houve sempre uma culpabilização mútua entre as partes envolvidas no que tange à violação do cessar-fogo, que serviu apenas para estabilizar e não expandir o conflito, pelo menos temporariamente.

Além disso, declarações feitas pelos presidentes da Rússia e da Turquia corroboram o entendimento de que esse acordo só ocorreu porque era necessário, permanecendo as tensões entre os atores. Vladimir Putin fez a seguinte avaliação: “Nem sempre concordamos com nossos parceiros turcos na avaliação do que está acontecendo na Síria. Mas sempre em momentos críticos, fomos capazes de encontrar um terreno comum. Isso também aconteceu desta vez”. Já Erdogan afirmou que "a Turquia reserva-se o direito de retaliar com toda a sua força contra qualquer ataque".

Para os turcos, a opção demandada ideal para que se resolvesse o conflito seria se a Rússia retirasse suas tropas da Síria. Entretanto, caso isso ocorresse, seria uma clara demonstração de fraqueza por parte da Rússia, visto que significaria o colapso de toda a política de Moscou, não apenas na Síria, mas também no Oriente Médio como um todo. Seria um desperdício de dinheiro, vidas humanas, esforços diplomáticos e militares, e é por isso que essa é uma opção impensável.

Além disso, se a Turquia não se retirar, isso deixaria a Rússia e Síria com duas opções: a primeira seria continuar o confronto como está e ver até onde as forças de Erdogan materializariam suas ameaças, o que agravaria os confrontos em Idlib, possivelmente até o ponto que Rússia e Irã teriam que agir ativamente e escalar uma guerra híbrida para uma guerra com maiores proporções; ou então ambas as partes fariam concessões, reconhecendo que Assad não tem condições de retomar o controle completo de Idlib, deixando parte da província sob tutela turca.

Em 2018, houve uma tentativa frustrada de suspender temporariamente as hostilidades. O Acordo de Sochi previa a formação de uma “zona desmilitarizada” ao longo da linha de frente, além da retirada de armas pesadas por ambas as partes do confronto. A rodovia M4 também seria aberta ao tráfego civil e monitorada por tropas russas e turcas. No entanto, essas decisões não foram completamente implementadas: jihadistas permaneceram no local, apesar do recuo dos rebeldes, provocando o estopim para as ofensivas do regime.

Dias após a recente negociação do cessar-fogo, Erdogan acusou Damasco de violar o tratado e ainda ameaçou reprimir unilateralmente os infratores. Em um discurso na cidade de Istambul, o líder turco afirmou que os 12 postos de observação mantidos na área para verificar o desescalonamento de 2018, agora irão monitorar os possíveis descumprimentos da atual resolução acordada com a Rússia.

Há de se considerar o fato de a Turquia ser membro da OTAN (Aliança do Tratado do Atlântico Norte), um pacto de defesa coletiva formado por 29 países, entre os quais os Estados Unidos, o Canadá e as principais potências europeias. Não é do interesse de ninguém que o conflito na Síria se alastre a ponto de envolver diretamente a Turquia e a Rússia, pois isto poderia acionar a cláusula da solidariedade do Tratado de Washington e acarretar uma guerra mundial. A irresponsabilidade turca, porém, não deve ser desprezada. Em 2015, forças turcas derrubaram um avião militar russo em espaço aéreo sírio, e o perigo de retaliação militar foi real.

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