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Ataque Químico Na Síria


No dia 13 de abril deste mês, o mundo assistiu ao bombardeio realizado pela ação conjunta de norte-americanos, franceses e britânicos na Síria. Os Estados Unidos afirmam que os mísseis lançados na sexta-feira teriam atingido com grande sucesso 3 instalações envolvidas com a pesquisa e desenvolvimento de armas químicas. A ação foi uma resposta ao suposto ataque químico que teria sido executado pelas forças do Presidente sírio Bashar Al-Assad na cidade de Duma. O suposto ataque - com bombas que podem ter propagado gases tóxicos - das forças sírias ao subúrbio de Damasco, em Duma, ocorreu num contexto que precisa ser examinado. Poucos dias antes, o presidente Trump havia manifestado sua vontade de retirar as tropas americanas do território sírio, e para esse fim, Trump já havia suspendido, em fins de março, US$ 200 milhões em fundos para cobrir os gastos militares na Síria. No mesmo sentido, Trump cortou o orçamento da CIA para a Síria desde o ano passado. A CIA já havia despendido US$ 1 bilhão (!) no fornecimento de armas, equipamentos, treinamento e financiamento de grupos armados insurgentes na Síria, como o objetivo de provocar a mudança de regime no país. Além de apontado desperdício na aplicação do dinheiro, a CIA não tinha o controle sobre as armas dadas e homens treinados, e muitos deles acabavam lutando ao lado de grupos como a Frente Al-Nusra, uma afiliada da Al-Qaeda. Logo, porém, que surgiram imagens e denúncias do ataque, e antes do relatório conclusivo da missão de investigação enviada pela Organização para a Proibição de Armas Químicas, a mídia e governos ocidentais concluíram que houve de fato um ataque químico e atribuíram a responsabilidade pelo ataque ao governo sírio. A pergunta que devemos fazer é: por que o Presidente sírio lançaria um ataque contra a sua própria população civil, e não contra os rebeldes, 5 dias depois do anúncio de Trump de se retirar da Síria, sabendo que isso provocaria uma reação militar e a condenação do mundo? Obviamente isso não seria de interesse dele. A quem interessaria a continuidade do envolvimento dos Estados Unidos e seus aliados na Síria?

Certamente isto não seria de interesse da Rússia, do Irã ou do próprio governo sírio. Há, contudo, outros Estados (Turquia, países do Golfo, e França, entre outros) que, por suas próprias razões, não querem o desengajamento norte-americano. A Turquia, por exemplo, já ocupa militarmente parte da Síria e é inimiga mortal do regime de Assad; a ela interessaria um novo regime subserviente aos desejos do planejado império Otomano renascido, e a intervenção dos EUA a ajudaria nesse intento. Outros países preocupam-se com a necessidade de forças americanas que impeçam a preponderância da Rússia e do Irã no território Sírio e na região do Oriente Médio árabe, e argumentam também que a presença militar norte-americana é indispensável para evitar o retorno do Estado Islâmico. Sair ou não se tornaria, assim, uma questão difícil para os estadunidenses devido à experiência no Iraque, cuja retirada resultou na volta ainda mais forte dos jihadistas e na retomada de um terço do território iraquiano por estes. Não nos esqueçamos também de que há políticos no Congresso americano e membros do chamado “Deep State” e do complexo industrial-militar que advogam uma intervenção militar ainda maior. E, por fim, a responsabilização do governo sírio pelo ataque químico interessaria muito aos grupos armados insurgentes, que estão perdendo sua fonte de financiamento e apoio militar norte-americano. Em suma, a lista dos suspeitos que poderiam estar por detrás do suposto ataque químico é enorme, e seria ingênuo atribuir automaticamente a culpa pelo suporto ataque ao governo sírio. A posição russa em relação ao ataque químico também é um fato a ser analisado para a modelação do panorama atual na Síria. De acordo com Moscou, o ataque químico em Duma foi uma encenação da ONG chamada “Capacetes Brancos”. Segundo os russos, essa não seria a primeira vez que a organização publicou informações com “estruturas duvidosas”, pois acidentalmente, os Capacetes Brancos já teriam publicado na internet um vídeo dos preparativos para a encenação de um suposto ataque realizado pelo exército sírio. Ou seja, é defendido que o ataque químico seria mais uma “Fake News”. Essa posição foi reiterada pela informação do Ministério da Defesa russo de que o país já teria enviado especialistas em armas químicas, radiológicas e biológicas para o local do ataque e que estes não haviam encontrado nenhum traço do uso de agentes químicos. Desta maneira, essas informações corroborariam para legitimar a reação de Putin de que o bombardeio do dia 13 teria sido “uma agressão a um Estado soberano”. Da coalizão que lançou o ataque em represália, o debate político mais intenso ocorreu na Grã-Bretanha. A primeira-ministra da Grã-Bretanha, Theresa May, participou do bombardeio sem a aprovação prévia do parlamento britânico. Existia uma grande oposição à campanha militar estadunidense por parte de muitos britânicos, principalmente se a ação fosse iniciada – como foi – sem a consulta parlamentar. Por conta disso, vários deputados se prontificaram a falar em nome dos descontentes na Câmara dos Comuns. Para o principal opositor de May e líder do partido trabalhista, Jeremy Corby, a intervenção americana é um grande risco para a escalada do conflito. Os argumentos dos opositores à ação defendiam que o mandato das forças britânicas na Síria teria apenas o objetivo de lutar contra os terroristas, como também reiteravam que a OPAQ (Organização para a Proibição de Armas Químicas) e a Organização Mundial da Saúde deveriam ter tido permissão para trabalharem antes de qualquer medida do Ocidente, o que não aconteceu, já que os especialistas dessas organizações só chegaram ao local do ocorrido depois do bombardeio americano. Já Theresa May e seus aliados argumentavam que o Reino Unido estaria buscando meios de se prevenir e deter o uso de armas químicas ao unir-se com Macron – presidente francês – e com Trump. Após o bombardeio, a primeira-ministra comunicou ao parlamento que suas ações foram reflexo do interesse nacional britânico e não de pressões estadunidenses e que agiu pois detinha “claras evidências” de que o governo de Bashar Al-Assad estaria por trás do ataque em químico em Duma. Ela afirmou também que, apesar de ter explorado os canais diplomáticos possíveis, considerou que a única alternativa seria a ação adotada contra os alvos em Damasco. É interessante ressaltar, contudo, que no Reino Unido os primeiros-ministros não precisam obrigatoriamente consultar o Parlamento antes de iniciar uma ação militar, mas têm adotado esse costume desde a invasão do Iraque, ocorrida em 2003.

É sempre recomendável examinar com olhos críticos os eventos internacionais!

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