Em Direção ao Leste e Além
A OTAN continua irredutível no seu projeto de expansão na direção leste. Já incorporou, desde o fim da Guerra Fria, os países da Europa central, a maioria dos países dos Bálcãs, e os países Bálticos. Para se ter uma ideia melhor da dimensão da expansão, ao final da Guerra Fria, a organização dispunha de 16 membros; atualmente, a OTAN é composta de 29 membros. Ainda descontente com o notável nível de dilatação atingido, a OTAN tem buscado, com sucesso, garantir acesso militar ou cooperação militar com os países nórdicos (Noruega, Suécia e Finlândia), tradicionalmente neutros. Com a adesão dos países Bálticos, a organização logrou chegar à fronteira noroeste da Rússia. Com os acordos de cooperação militar com os países nórdicos, a OTAN se implanta no norte da Rússia, relativamente perto da São Petersburgo, cidade portuária e antiga capital da Rússia. Para fechar o cerco estratégico, bastaria incorporar a Ucrânia e a Geórgia, garantindo presença no Sudoeste e Sul da Rússia, respectivamente, e este é exatamente o plano que está em pleno andamento. Enquanto isso, a OTAN, e os governos de seus países membros, repetem continuadamente na mídia acusações contra a ameaça e a agressão russas. Para aqueles que costumam discernir o que está além da cortina de fumaça, basta imaginar um cenário hipotético avesso: com o fim da Guerra Fria, a OTAN se dissolve, mas o Pacto de Varsóvia continua a existir e se expande continuamente na direção oeste, incorporando ex-membros da OTAN (França, Alemanha, Itália, etc) e chegando finalmente a admitir o Canadá e o México, países que fazem fronteira direta com os Estados Unidos. Como os Estados Unidos reagiriam? Se os americanos estavam dispostos a desencadear a Terceira Guerra Mundial em 1962, quando a então União Soviética ousou instalar uma base militar em Cuba, será que eles aceitariam pacificamente essa expansão na direção de suas fronteiras? Vazado no wikileaks, um telegrama de 2008 do embaixador norte-americano em Moscou, endereçado ao Estado-Maior dos EUA e à OTAN, entre outros, compartilha a avaliação de Moscou de que uma expansão adicional da OTAN na direção leste seria vista como uma “ameaça militar potencial”. Acrescenta que a Rússia, em tal caso, a consideraria como uma tentativa de cerco estratégico e de prejudicar a influência russa na região, com “consequências imprevisíveis” que “afetariam seriamente os interesses de segurança da Rússia”. Profeticamente, o ministro das relações exteriores russo previu, em 2008, que esta questão (admissão da Ucrânia na OTAN) poderia dividir a Ucrânia em duas, levando à uma guerra civil que forçaria a Rússia a decidir se interviria ou não. Como antecipado, as políticas adotadas pela Ucrânia desde o golpe de Estado de 2014 acarretaram a perda da Criméia e um processo de secessão na região de Donbass. De toda forma, na Cimeira de Budapeste (2108), a OTAN garantiu à Ucrânia e Geórgia o status de países aspirantes, isto é, a condição de que serão admitidos como membros da organização em futuro próximo, faltando apenas a implementação de uma Plano de Ação para Afiliação (MAP), um conjunto de critérios a serem cumpridos antes que o país possa efetivamente participar da organização. Para a Ucrânia, esse foi um passo importante no cumprimento de um objetivo prioritário de sua política externa, conforme estabelecido em resolução do seu parlamento. A concretização desse objetivo é promovida por ações que aproximam militarmente a Ucrânia da OTAN. Sabe-se que já há ações militares conjuntas entre membros da OTAN e o país, exemplificadas pelos exercícios militares conjuntos OTAN-Ucrânia em 2014 e 2017, e pelo treinamento de soldados ucranianos por instrutores canadenses e americanos desde 2015. Alguns países membros da OTAN também fornecem armas e equipamentos para as forças armadas ucranianas. Por óbvio, esta política de aproximação estratégico-militar entre Ucrânia e a OTAN seria impensável na gestão do antigo Presidente Viktor Yanukovych, mas forças domésticas e internacionais contrárias o depuseram em golpe de Estado orquestrado em 2014. Há vários fatores que questionam os benefícios de tal projeto expansionista. Economicamente, a Ucrânia não passa por bons momentos. O país se encontra dependente do Ocidente para obtenção de ajuda e, somente com as alocações de defesa para se enquadrar nos padrões da OTAN, está direcionando mais que 2% do seu PIB. Militarmente, suas forças armadas não têm muito do armamento e equipamento característicos de uma força moderna; seus militares não dispõem das habilidades exigidas para operar sistemas sofisticados e treiná-los seria um projeto oneroso. Adicione-se a isso a frustração dos parceiros ocidentais sobre o modo como o país está sendo dirigido, devido à retórica extremista que os políticos nacionais têm adotado e às várias oligarquias no poder, que justificariam um questionamento sobre o compromisso do país com a democracia. Do mesmo modo, Geórgia também está envolta em problemas de natureza similar. Nesse país, a corrupção em ascensão e a falta de um sistema efetivo de separação de poderes e de freios e contrapesos são algumas dificuldades sistemáticas enfrentadas pelo país. A consequência imediata do ingresso dos dois países na OTAN seria uma sobrecarga sobre os ombros dos membros do bloco com despesas adicionais para sustentar os novos integrantes. Entretanto, a mais preocupante dos efeitos da adesão desses países seria a deterioração do relacionamento com a Rússia. A integração da Ucrânia à OTAN, juntamente dos demais países do pacto anti-russo poderá forçar Moscou a tomar medidas decisivas para se defender dessa crescente ameaça. Como consequência, poderá haver um reconhecimento da soberania de repúblicas autoproclamadas, problemáticas para os países em questão, bem como o estacionamento de mais tropas e equipamentos nessas fronteiras, o que diminuiria a segurança dos aliados europeus, ilustrando bem a aplicação do dilema da segurança no caso.