Expansão da Influência e Presença Turca na Grande Região do Oriente Médio
De forma sutil, mas não despercebida, a Turquia tem se movimentado internacionalmente para projetar seu poder e influência na região do Oriente Médio e Norte da África. Após a chegada ao poder, em 2002, de Recep Tayyip Erdogan, através do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), viu-se uma alteração da política externa turca que a impulsionou a se interessar mais pelos assuntos árabes e a interferir em conflitos da região do Oriente Médio – como na Síria e no Iraque. Depois de passar 12 anos no cargo de primeiro-ministro, Erdogan foi eleito presidente em agosto de 2014, e suas movimentações mais recentes, de meados de 2017 e início de 2018, estão preocupando muitos países da região. Em dezembro de 2017, a Turquia anunciou um acordo com o governo do Sudão - cujo Presidente foi indiciado pelo Tribunal Internacional Penal por crimes de guerra e crimes contra a humanidade - para a reconstrução da cidade portuária de Suakin, localizada na costa oeste do Mar Vermelho, incluindo a edificação de uma doca naval para navios civis e militares. O Sudão decidiu alugar a ilha para a Turquia, por um período inicial 99 anos. A referida ilha foi historicamente um importante porto comercial e um dos centros do islamismo na costa leste da África. A importância estratégica da ilha é incontestável. Localizando-se entre a Arábia Saudita e Porto de Sudão, o maior porto do país, ela foi tradicionalmente um relevante porto comercial regional, um ponto da jornada de africanos em direção à Meca, e uma rota para os comerciantes do leste da Ásia em direção à África e Europa (visto que teriam de passar pelo Mar Vermelho e o Canal de Suez). Apesar da importância de Suakin para os sudaneses, a decisão de realizar o acordo com a Turquia possivelmente levou em consideração as duas décadas de sanções aplicadas pelos Estados Unidos até outubro de 2017. A realização do acordo seria, dessa forma, do lado sudanês, uma maneira de atrair investimento internacional, após as limitações impostas no sistema de financiamento global. O interesse turco, por outro lado, segundo oficialmente anunciado, seria, para além do controle portuário, a tentativa de restaurar monumentos históricos e religiosos associados ao antigo Império Otomano na localidade. Nunca é demais lembrar o projeto de Erdogan de reviver o Império Otomano na região. Não se pode excluir, todavia, o valor estratégico-militar de uma presença naval e militar turca naquela região, pois permite a Turquia o acesso simultâneo ao leste da África e ao Mar Vermelho. O acordo não agradou o vizinho Egito, que passou a questionar as aspirações escondidas da Turquia na região e os possíveis impactos nos interesses egípcios. Erdogan, além do controle de Suakin, assinou outros 13 acordos sobre diversos interesses, mas o que mais preocupa os egípcios é o relato de que haveria o desenvolvimento de uma cooperação militar entre as forças armadas da Turquia e do Sudão, notícia esta que vem três meses depois da expansão militar turca na África com a abertura da base de treinamento na Somália. Para Cairo, a presença militar turca no Sudão reforçaria a determinação sudanesa de avançar reivindicações territoriais a respeito da sua fronteira com o Egito. A segunda ação turca que desencadeou um tom de reprovação de alguns Estados árabes foi o envio de mais tropas do exército e o estabelecimento de uma base militar em Doha, Qatar. O panorama na região do Golfo é de tensão, após o quarteto de países árabes – Arábia Saudita, Bahrein, Emirados Árabes Unidos (UAE) e o Egito – cortarem relações diplomáticas e comerciais com o Qatar sob a acusação de que este país estaria apoiando o terrorismo na região e as intervenções de um país rival, Irã. Contudo, Erdogan decidiu ficar ao lado de Doha, e rapidamente o parlamento turco aprovou o envio de tropas e também de treinamento para as forças de segurança do Qatar. Assim, a presença militar turca serve de garantia de que Qatar não será invadido por forças dos demais países do Golfo nem atacado, como agora fazem contra o Iêmen. Houve uma condenação generalizada da coalizão árabe contra a decisão de Ankara. Para o Bahrein, por exemplo, a permissão do Qatar ao estacionamento das tropas e tanques turcos foi um ato de escalada militar, levando em consideração que o conflito, até então, era apenas uma disputa política e de segurança e não havia sido militarizado. Já os UAE utilizaram as redes sociais para criticar o “resgate” do Qatar feito pela Turquia. O Egito, por sua parte, convocou a coalizão a expandir a aplicação do boicote de Doha à Turquia. A Arábia Saudita afirmou que a Turquia fazia parte de um triangulo do mal, citando o Irão e os grupos islâmicos radicais como os outros dois., e acusou Ankara de tentar reinstalar o antigo Califado Islâmico-Otomano. Já países não diretamente envolvidos na questão, como os EUA e o Irã, colocam-se como neutros. O primeiro, pois apesar da proximidade com a Arábia Saudita, mantém uma enorme base militar no Qatar, e o segundo está condicionado à considerações estratégicas quanto à Turquia, pois eles vêm trabalhando juntos no Iraque e na Síria. Como na Síria, tropas turcas e norte-americanas estão atuando num mesmo país, mas não necessariamente em cooperação ou com o mesmo propósito. Para o Institute for Defence Studies and Analyses (IDSA), a decisão turca de apoiar o Qatar é, ao mesmo tempo, estratégica e ideológica. Ideológica, pois por meio da Irmandade Mulçumana, Qatar e Turquia apertaram os laços, ficando mais próximos após a explosão da Primavera Árabe e apoiando grupos islâmicos em países como Síria, Líbia e Egito. Estratégica, pois a Turquia possui a ambição de ter um papel maior nas questões do Oriente Médio. O que fica claro, inclusive por meio de declarações já realizadas por parte do atual governo turco, é que as recentes políticas expressam o desejo da Turquia de retornar a península árabe em uma espécie de nostalgia relacionada ao antigo Império Otomano, com as intenções de comandar a recriação da integração econômica e geopolítica da região. Entretanto, como já esboçado, essas atitudes não agradaram os governos árabes, pois apesar de algumas visões considerarem que a presença turca pode servir como balança de poder na região, para outros isto geraria um desequilíbrio de poder em favor da Turquia.