Entendendo a Importância do que Acontece na Turquia - Parte II
Uma vez no poder, e de forma dissimulada, Recep Erdogan e seu Partido da Justiça e Desenvolvimento, iniciaram e concretização de um plano de longo prazo que visa dois objetivos interligados: a perpetuação no poder e o fim da secularização institucionalizada da Turquia, retornando o país às suas raízes islâmicas. Erdogan foi o primeiro-ministro da Turquia de 2002 a 2014, e desde 2014 assumiu a presidência do país. Embora a Presidência tivesse, à luz da Constituição turca, um papel mais limitado no governo, Erdogan tem progressivamente aumentado os seus poderes constitucionais, com o objetivo de tornar a Turquia numa república presidencialista. No seu afã de promover essa reforma política (um sistema presidencialista fortemente centralizado), o Presidente turco citou o governo nazista como um exemplo a ser seguido: “Já existem exemplos no mundo. Você pode ver isso quando você olha para a Alemanha de Hitler”. O mandato atual do Presidente Erdogan deverá se encerrar em 2019, e ele poderá se candidatar à reeleição. Assim sendo, ele já é o governante mais antigo desde o fundador da moderna república turca.
A islamização da Turquia, projeto do PJD, permitirá a consolidação do poder do partido e do seu líder. Há fortes indícios de que Erdogan pretende restaurar o antigo Império Otomano e o Califado. Para tanto, tem procurado se valer do apoio da Irmandade Muçulmana, um movimento religioso-político de cunho transnacional que opera em áreas tão diferentes como o Egito, a Faixa de Gaza, a Síria e a Turquia. Refletindo seus planos megalomaníacos, Erdogan construiu o Palácio Branco, uma monstruosa e suntuosa edificação que abriga centenas de quartos, muito maior do que a Casa Branca e o Kremlin.
A concretização do plano de Erdogan começou com a vitória esmagadora do seu partido nas eleições gerais de 2011, seguida por sua vitória na primeira eleição presidencial da Turquia, em agosto de 2014. Em maio de 2016, Erdogan substituiu o Primeiro-Ministro por um tecnocrata que é sabidamente leal e subserviente. Então, veio a chamada tentativa de golpe militar em julho de 2016. Sobrevivendo ao golpe, Erdogan declarou estado de emergência no país por três meses, suspendendo os direitos e garantias individuais. A sua vingança é fatal: demitiu, suspendeu, colocou sob investigação ou prendeu mais de 60.000 pessoas, incluindo membros das forças armadas, policiais, juízes, servidores públicos e professores. Somente entre os militares, foram destituídos 149 generais e almirantes; na imprensa, foram fechados 16 canais de televisão, 45 jornais, 15 revistas e 29 editoras. A reação do governo Erdogan lembra muito o que o governo de Hitler fez após o incêndio no parlamento alemão (1933, provocado pelos próprios nazistas): usou o incidente para instaurar de vez o totalitarismo na Alemanha e acabar com qualquer resquício de democracia. Como esses desenvolvimentos têm afetado a política externa da Turquia? Trataremos disso no próximo comentário.