A História se Repete? Parte I
Entre 1936 e 1939, a Espanha sofreu uma terrível guerra civil “internacionalizada”. De um lado, os nacionalistas, apoiados pela Itália Fascista e Alemanha Nazista. De outro lado, os Republicanos, assistidos pela União Soviética e pelas Brigadas Internacionais, forças de voluntários oriundos principalmente da Europa e dos Estados Unidos. Ao final, prevaleceram as forças nacionalistas, mas não antes da morte de 500.000 a 1 milhão de pessoas. Os países que interviram no conflito tinham os seus interesses próprios, e para a consecução dos seus objetivos de política externa, a vida dos espanhóis pouco importava. O mesmo acontece na Síria de hoje.
Já noticiamos o protagonismo dos Estados Unidos, Turquia, Qatar, e Arábia Saudita em apoiar os diversos grupos armados rebeldes sírios com recursos financeiros, treinamento, equipamentos militares e inteligência. Esses grupos armados contam, vale dizer, com milhares de estrangeiros voluntários que chegaram na Síria via Turquia para lutar contra o governo sírio. Agora também se sabe que os Estados Unidos estavam financiando secretamente grupos de oposição política na Síria desde 2006 e que isso continou até pelo menos 2009 (veja aqui e aqui), com o objetivo de promover a desestabilização política do governo de Assad. O objetivo político imediato era (e ainda é) a remoção de Assad do poder, como o fizeram com Saddam no Iraque, Omar no Afeganistão, Mubarak no Egito, Kadafi na Líbia, e Yanukovich na Ucrânia. A deposição do líder do governo abriria espaço para a colocação de uma liderança subserviente aos interesses nacionais dos Estados interventores, fortalecendo a posição estratégica de cada um deles na região ao mesmo tempo em que atenderia a interesses econômicos específicos. No caso da Síria, o interesse estratégico é conter o avanço da influência Iraniana no Oriente Médio (lembre-se que Assad é de uma minoria Xiita e aliado tradicional do Irã, tendo apoiado o Irã na sua guerra contra o Iraque, na década de 80), e o interesse econômico se traduz no projeto de um gasoduto Qatariano-Saudita que passaria pela Síria na direção da Turquia e Europa.
O problema é que essa estratégia tem se mostrado deficiente, causando um enorme sofrimento na população, caos social, econômico e político interno, e instabilidade regional. Basta ver o que restou da Líbia, Afeganistão e Iraque depois da intervenção direta. O Egito só retornou à uma certa estabilidade interna após o golpe militar, e a Ucrânia continua em estado de guerra interna. Vale lembrar que apoio americano na criação de guerrilheiros islâmicos que lutavam contra a ocupação soviética no Afeganistão resultou na Al-Qaeda e no Bin Laden. O apoio da presente coalizão anti-Assad aos rebeldes “moderados” na Síria permitiu a criação do Estado Islâmico (EI) e da frente Al-Nusra (uma filial local da Al-Qaeda), algo que era antecipado pelos órgãos de inteleigência norte-americanos (veja aqui). As barbaridades e crimes de guerra que estão sendo cometidas por esses dois grupos são de conhecimento geral.
Já se noticiou que muitos grupos “moderados” acabaram se submetendo ao EI, ao passo que este e o Al-Nusra fizeram um acordo de coexistência. Mais recentemente, se reporta que os Estados Unidos criaram um programa de 500 milhões de dólares para o treinamento de rebeldes moderados. O primeiro grupo de aproximadamente 50 rebeldes "moderados", que tinha sido enviado para o front, foi emboscado e preso pelo Al-Nusra, e hoje lutam ao lado dos rebeldes "radicais".
Com a ajuda da Turquia, novos ingredientes externos são adicionados ao bolo da guerra civil. Além dos chechenos radicalizados que desde cedo entraram no conflito, há relatos e vídeos (veja aqui) que mostram a chegada de milhares de Uyghurs através da Turquia. Os Uyghurs são muculmanos provenientes da China (com traços físicos orientais). Eles estão lutando ao lado do Estado Islâmico e do Al-Nusra, e suas famílias estariam ocupando cidades abandonadas por refugiados sírios. O uso de muçulmanos chineses, aliado ao apoio dado pela Turquia ao movimento secessionista dos Uyghurs na província chinesa de Xinjiang, tem afetado negativamente as relações entre a Turquia e a China, e pode eventualmente levar ao envolvimento da China no conflito sírio. Lembre-se que uma das razões que acarretou a participação russa direta na guerra civil síria foi a existência de centenas de chechenos radicalizados que lutam ao lado do EI e do Al-Nusra. Não se surpreende que o governador da Chechenia tenha pedido autorização ao Presidente Putin para enviar forças militares para o campo de batalha na Síria.
Com a intervenção direta dos russos contra o Estado Islâmico na Síria, o desespero do eixo Qatar-Arábia Saudita-Turquia é visível. Ao contrário da anunciada campanha militar contra o Estado Islâmico (EI), liderada pelos Estados Unidos, as ações militares russas estão causando graves danos às forças do EI. Relata-se que, em resposta, o apoio aos rebeldes, concedido pelo eixo Arábia Saudita-Qatar-Turquia, deverá aumentar consideravelmente, mas uma participação militar direta ainda é improvável. A Arábia Saudita, por exemplo, está por demais envolvida com a guerra civil no vizinho Iêmen.