A Questão da Criméia
Os Estados Unidos, a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e a União Europeia acusam a Rússia de agressão, tendo incorporado a Criméia que pertence à Ucrânia. Lembre-se que a Ucrânia está associada à própria história da Rússia. O que se conhece hoje como Ucrânia foi o local onde nasceu o Cristianismo Ortodoxo Russo, e essa região foi parte do império russo por centenas de anos. Foi nesse território que Alexandre I, o imperador da Rússia, finalmente derrotou o invasor Carlos XII da Suécia, consolidando a supremacia russa sobre a Europa do leste.
A Criméia é historicamente a sede da frota naval russa no Mar Negro, e sua importância estratégica para os russos reside na sua posição geográfica, que permite acesso tanto a esse Mar como ao Mediterrâneo. Para os russos, a possibilidade real da Ucrânia se tornar membro da OTAN significaria a instalação de uma base naval da OTAN na Criméia, portal da Rússia meridional. Até 1954, a Criméia era parte da Rússia (uma das repúblicas da União Soviética), e foi "doada" à Ucrânia, quando esta ainda era parte da União Soviética, pelo líder Soviético Nikita Krushchev (um Ucraniano de nascimento). Nesse ato de doação, os residentes da Criméia não foram consultados, embora aproximadamente 68% da população seja composta de descendentes de russos que falam a língua russa. Ainda assim, na data da transferência territorial a Ucrânia era uma república da União Soviética, portanto a transferência teria ocorrido dento da fronteira de um único Estado (Krushchev seguramente não imaginava que a União Soviética se desintegraria 37 anos depois).
Quando o golpe de Estado ocorreu, e os nacionalistas, "russofóbicos" assumiram o poder, o Parlamento Ucraniano imediatamente procurou aprovar uma lei que revogava o status das línguas das minorias, incluindo o russo. O governo da Criméia e Sebastopol realizou um referendo popular que se manifestou majoritariamente pela união com a Rússia. Os países do Ocidente alegam que o referendo foi ilegítimo, pois a Criméia estaria sob ocupação militar russa, ignorando que a base militar e as forças russas estacionadas há muito tempo tinham o aval de um tratado bilateral em vigor entre a Ucrânia e a Rússia (o tratado permite o estacionamento de até 25.000 soldados na península). A incorporação se deu de forma pacífica, embora tensa, em razão do fato de milhares de soldados do exército ucraniano estarem também lá estacionados na época.
Muitos dos países do Ocidente que se recusam a reconhecer a secessão da Criméia e sua união com a Rússia, por seu turno, reconheceram a secessão ou independência de Kosovo. Kosovo era uma região da Sérvia, e havia uma resolução do Conselho de Segurança que reafirmava a integridade territorial da Sérvia e a necessidade de uma solução negociada para a crise política. Ao contrário da Criméia, não houve um referendo popular prévio para a independência de Kosovo: apenas uma declaração unilateral emitida pela assembleia legislativa local. Em outras palavras, a Assembleia Legislativa de Kosovo não procurou o consentimento do governo da Sérvia antes da declaração de independência. Consciente de que o reconhecimento da independência de Kosovo poderia gerar um perigoso precedente no futuro, o governo norte-americano disse em nota oficial que Kosovo era um "caso especial" que "não poderia ser visto como um precedente para qualquer outra situação no mundo".
A Sérvia, que acabou sendo desmembrada à força, pois houve uma intervenção militar da OTAN contra ela e a favor dos Kosovenses, é, assim como a Rússia, um país eslavo, e um tradicional aliado da Rússia.
A propósito, os Estados Unidos construíram e mantém até hoje em Kosovo a maior e mais cara base militar norte-americana na Europa, com capacidade de alojamento de aproximadamente 7000 soldados e civis. "Camp Bondsteel" foi construído em 1999, e desde então (isto é, antes, durante e depois da independência de Kosovo) há forças americanas e da OTAN lá estacionadas.
Os russos não se esquecem disso e Putin fez referência, em mais de uma ocasião, ao precedente de Kosovo para legitimar a ação dos crimerianos e revelar a hipocrisia dos Estados Unidos e países europeus que contestam a incorporação da Criméia.