O que a Síria e o Iemên têm em Comum
Os dois países são vítimas de um conflito armado interno, opondo forças rebeldes contra o governo central. Nos dois casos, o conflito se deflagrou em linhas sectárias, contrapondo forças de determinadas etnias e linha religiosa dentro do Islamismo contra forças de outras etnias e linha religiosa do Islamismo. Tanto na Síria quanto no Iêmen há países de fora apoiando um dos lados do conflito, o que internacionaliza um conflito que seria de outro modo meramente interno. A intervenção externa nos dois países - com a provisão de fundos, armas e equipamentos, inteligência, e treinamento - aumenta consideravelmente a chance de agravamento e prolongamento do conflito, e de crimes de guerra contra a população civil, ao mesmo tempo em que dificulta uma solução pacífica e negociada.
Iêmen tem uma longa história de conflitos. Primeiro, entre o Império Britânico e o Império Otomano. Depois, entre o Iêmen do Norte e o Iêmen do Sul (comunista). Com o fim da Guerra Fria, os dois países se unificaram, mas na ausência de homogeneidade étnica e coesão social e política, uma breve guerra de secessão eclodiu em 1994. Desde 2004, os Houthis, que vivem majoritariamente no norte do país, se envolveram em sucessivos conflitos armados contra o governo central, e o sul do país tem experimentado um certo renascimento do movimento secessionista. Na mais recente ofensiva, os Houthis alegam que seu objetivo é substituir o governo do Presidente Hadi, que acusam de ser corrupto.
O conflito do Iêmen pode ser situado, assim com o da Síria, no contexto mais amplo da disputa entre Xiitas e Sunitas pela hegemonia político-religiosa do mundo islâmico. Tudo começou como uma disputa em torno da sucessão do profeta Muhammad, fundador do Islamismo, e perdura até os dias de hoje. Os Houthis, que se rebelaram contra o governo central e depuseram pela luta armada o então Presidente do país, são xiitas, e nessa condição têm recebido apoio do Irã. A maioria sunita que estava no poder é apoiada pelos países do Golfo e outros países árabes sunitas.
O envolvimento desses países é inquestionável, o que pode caracterizar o conflito como uma guerra indireta entre o Irã e os países do Golfo Pérsico (o mesmo ocorrendo na Síria). Estes últimos lançaram há mais de 20 dias uma operação militar contra os Houthis que perdura até hoje. O Irã, por sua vez, tem enviado ajuda humanitária que, para alguns, seria um pretexto para suprir e repor os equipamentos militares dos Houthis. A ação armada da coligação dos países do golfo é questionável do ponto de vista do direito internacional.
Para complicar a situação, o governo americano, que tem apoiado o atual governo central do Iêmen, admitiu que perdeu o rastro de milhões em armas leves, munição, óculos de visão noturna, botes de patrulha, veículos e outros suplementos doados pelos Estados Unidos para o governo do Yemen. Os EUA estavam suprindo mais de 500 milhões de dólares em ajuda militar para o Yemen desde 2007 através de programas comandados pelo Departamento de Defesa e Departamento de Estado. Em troca, os Estados Unidos recebiam inteligência e tinham a liberdade de implementar um programa anti-terrorista contra o grupo Al-Qaeda na Penísula Arábica, que teria se estabelecido no Iêmen. É possível que essas armas e equipamentos tenham chegado às mãos dos Houthis, ou da Al-Qaeda, ou até mesmo do Estado Islâmico, que se instalou no país recentemente.
O conflito no Iêmen não é mais um conflito interno: já se regionalizou.