Putin vai atacar a OTAN?
- dri2014
- 7 days ago
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Nas últimas semanas, a perspectiva de um ataque russo contra países da OTAN tem ganhado destaque na grande mídia ocidental. A hipótese vem sendo amplamente divulgada por veículos de comunicação e reforçada por supostas fontes governamentais e militares, alimentando um clima de alerta e tensão na Europa.
Nesse sentido, o Ministro da Defesa da Alemanha, Boris Pistorius, advertiu sobre o risco potencial do presidente russo atacar a aliança militar da OTAN em menos de uma década. De acordo com uma declaração do Ministro, os especialistas alemães acreditam na viabilidade dessa ação em um período de cinco a oito anos. Nessa mesma linha de preocupação, no início deste mês, o comandante-chefe da Suécia, general Micael Bydén, pediu à população sueca que “se prepare mentalmente para a possibilidade de uma guerra”. A Polônia, por sua vez, também demonstra apreensão quanto à imprevisibilidade do regime russo, gastando mais de 4% do seu PIB em defesa este ano. De acordo com fontes de inteligência que deram declarações ao Iltalehti, um jornal finlandês, a Rússia atualizou seus planos para uma possível ofensiva complexa contra o flanco oriental da OTAN, que inclui países como Finlândia, Noruega e os países bálticos. Embora as principais forças terrestres da Rússia estejam atualmente envolvidas na guerra na Ucrânia, fontes da OTAN apontam que Moscou ainda possui capacidade para mobilizar até 600 mil soldados ao longo das fronteiras.
Se a Rússia perceber a OTAN como uma aliança enfraquecida, poderá estar disposta a iniciar uma guerra em larga escala na Europa dentro de cinco anos, segundo o Serviço de Inteligência de Defesa da Dinamarca (DDIS). De acordo com o relatório, em apenas seis meses Moscou teria capacidade para conduzir um conflito localizado contra um país vizinho. Em até dois anos, poderia desencadear uma guerra regional na área do Mar Báltico, e em um horizonte de cinco anos, a Rússia teria condições de lançar uma ofensiva de grande escala contra a Europa, considerando que os Estados Unidos não intervenham (a agência ressalta que o relatório não considera possíveis reforços na capacidade de defesa da OTAN).
A Ucrânia não é membro da OTAN, organização de defesa coletiva criada pelo Tratado de Washington e formada por 32 países. O Artigo 5º do Tratado estabelece a cláusula de solidariedade coletiva em caso de agressão armada, afirmando que um ataque armado contra um ou mais membros deve ser considerado um ataque contra todos os membros. O governo alemão, segundo a mídia alemã, teme que Putin queira testar esse pacto, trazendo à tona uma preocupação voltada não apenas para se a Rússia atacará, mas quando e como isso ocorrerá.
De acordo com o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), com sede em Londres, Moscou poderá representar uma ameaça militar significativa para os aliados da OTAN, especialmente os países bálticos, já em 2027, caso verifique-se dois fatores principais: o sucesso de um possível governo Trump em encerrar a guerra na Ucrânia e um eventual afastamento dos Estados Unidos da OTAN. Assim, essa avaliação severa do IISS reforça os alertas recentes de líderes da aliança sobre a ameaça contínua representada pela Rússia, mesmo após o fim do conflito na Ucrânia.
Diante da crescente circulação de previsões sobre uma possível ofensiva russa contra nações da OTAN, é crucial refletir: quem se beneficia com essa narrativa alarmista? Embora existam sinais reais de tensões geopolíticas, a forma como essas possíveis ameaças estão sendo amplificadas pela mídia e por fontes oficiais do governo propiciam o surgimento de dúvidas sobre quais são os verdadeiros interesses por trás desse discurso de guerra. Um dos grupos que claramente se beneficia dessa situação é o complexo industrial-militar, que historicamente se fortalece em contextos de guerra e ameaça. O aumento dos investimentos em defesa já é perceptível em países como a Polônia (que destina mais de 4% de seu PIB ao setor), além de impulsionar a venda de armamentos e assegurar mais recursos públicos para empresas ligadas à indústria bélica, como pode ser visto também no pedido de Donald Trump para os países aumentarem em mais que o dobro seus gastos com a defesa.
Além disso, líderes nacionais, em meio a crises econômicas e políticas, podem utilizar a narrativa de um inimigo externo para desviar a atenção da insatisfação popular. Ao direcionar o debate público para a "ameaça russa", é possível silenciar ou atenuar protestos relacionados à precarização dos serviços e à deterioração das condições de vida, agravadas por políticas que reduzem os gastos sociais e os investimentos públicos. Outro ponto importante de se analisar, é que a própria OTAN tem razões para sustentar a retórica da guerra, já que desde o término da Guerra Fria, a organização busca justificar sua existência e contínua expansão. Uma suposta ameaça proveniente do Leste legitima o aumento de seu orçamento, o fortalecimento de bases militares e a incorporação de novos membros, como a Finlândia e a Suécia, que se juntaram à aliança recentemente. Dessa forma, a percepção difundida de vulnerabilidade europeia, especialmente se os Estados Unidos realmente reduzirem seu envolvimento, reforça o argumento da indispensabilidade da OTAN como pilar fundamental de segurança.
Portanto, embora a possibilidade de um confronto com a Rússia não possa ser completamente ignorada, é essencial refletir criticamente sobre quem está construindo essa narrativa e quais interesses estão por trás dela, especialmente considerando que o medo, quando institucionalizado, pode se tornar uma ferramenta política estratégica. Nesse sentido, vale destacar que a própria DDIS, agência de inteligência dinamarquesa responsável por divulgar cenários de ameaça, ressalta que seus relatórios não consideram possíveis reforços na capacidade de defesa da OTAN, o que relativiza o alarme gerado por tais previsões e revela o caráter especulativo de algumas análises, que ao desconsiderar esse fator, amplia artificialmente a percepção de vulnerabilidade europeia.
A partir dessa ideia, é possível perceber que existem opiniões que são contrárias à essa posição. Como afirmou o general lituano Valdemaras Rupšys: “Este ano, no ano que vem, a possibilidade ou a probabilidade de uma guerra entre a Rússia e a OTAN é muito baixa, extremamente baixa”, disse à uma rádio local recentemente. Ele ainda reconheceu que as circunstâncias podem se alterar, porém, no momento, as tropas russas pertencentes ao distrito militar ocidental permanecem integralmente envolvidas na Ucrânia, não configurando uma ameaça direta e iminente. Por outro lado, o ministro das Relações Exteriores da Lituânia, Gabrielius Landsbergis, acredita que o país deve estar preparado para se defender. "Sentimos a guerra próxima. Entendemos que, se a Rússia não for detida na Ucrânia, ela poderá continuar e os próximos seriam os países bálticos”, disse Landsbergis, segundo o jornal Delfi, do Báltico. Entretanto, o general Rupšys discorda do Ministro e argumenta que: “Quando temos que discutir aconselhamento militar com aqueles que não são realmente qualificados para dar aconselhamento militar, há alguma confusão”, e sugeriu que os políticos deveriam se concentrar em suas funções específicas.
Em contraste com a narrativa persistente de que "a OTAN é a próxima", também está o Chefe do Estado-Maior da Defesa britânico, Almirante Sir Tony Radakin. Em uma recente palestra na Chatham House, um think tank londrino, ele criticou o atual debate público, que considera "confuso" e "alarmista”, afirmando: "Não estamos à beira de uma guerra com a Rússia. Não estamos prestes a sofrer uma invasão. Ninguém no Ministério da Defesa está discutindo sobre recrutamento militar obrigatório no sentido tradicional. A Grã-Bretanha está segura”. Nesse sentido, Radakin enfatizou as amplas capacidades nucleares e convencionais da OTAN, além de suas significativas vantagens econômicas, tecnológicas e demográficas, e ainda complementou dizendo: "Putin não deseja um conflito com a OTAN, pois a Rússia perderia. E perderia rapidamente."
Portanto, é imprescindível que a análise das tensões geopolíticas atuais seja feita de maneira profunda e crítica, levando em conta não apenas os eventos em si, mas também os interesses políticos e econômicos que moldam a narrativa em torno deles. A exploração de como diferentes atores, incluindo governos e a indústria de defesa, podem se beneficiar de um clima de medo e incerteza é vital para uma compreensão mais completa da situação.
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