“Dia da Libertação” ou início de uma guerra comercial global?
- dri2014
- 4 days ago
- 3 min read

Com um discurso carregado de simbolismo patriótico, Donald Trump declarou o 2 de abril de 2025 como o “Dia da Libertação”. A expressão, que tem um cunho celebratório, refere-se a uma ofensiva comercial sem precedentes: o maior pacote tarifário dos Estados Unidos em quase um século. A partir de 5 de abril, todas as importações passariam a sofrer uma tarifa universal de 10%, e, apenas quatro dias depois, novas tarifas mais pesadas atingiriam um grupo seleto de países acusados pela Casa Branca de adotarem práticas desleais de comércio. Os países que sofreriam uma majoração ainda maior da tarifa de importação seriam os maiores exportadores para os Estados Unidos, como China, União Europeia, Brasil, México, Vietnã, Índia e Coreia do Sul, enquanto Canadá e México foram temporariamente poupados. As tarifas setoriais já existentes sobre aço, alumínio e automóveis, bem como as anunciadas sobre semicondutores, produtos farmacêuticos, cobre e madeira, seriam aplicadas separadamente, sem se acumular às novas medidas. A iniciativa marca uma virada dramática na política comercial americana, com potencial de reverberar por toda a economia global.
A nova política tarifária tem sido justificada pela administração Trump com base em dois pilares distintos, porém complementares. O primeiro sustenta que os Estados Unidos foram vítimas de décadas de globalização assimétrica, na qual os mercados americanos permaneceram abertos enquanto parceiros comerciais impunham barreiras que restringiam o acesso de produtos americanos a seus mercados. De acordo com essa narrativa, isso teria corroído gradualmente a base industrial do país, substituindo capacidade produtiva por lucros corporativos e dependência de importações baratas. Nesse contexto, os déficits comerciais são vistos não apenas como desequilíbrios econômicos, mas como evidências de um enfraquecimento estratégico, uma espécie de “derrota nacional” frente à concorrência global. A solução, segundo Trump, passa por uma resposta dura: impor tarifas para punir práticas desleais, equilibrar as relações comerciais, incentivar a reindustrialização doméstica e recuperar o que ele chama de “arsenal da democracia”.
O segundo pilar da política tarifária é mais pragmático e silencioso: trata-se da arrecadação fiscal. As tarifas também são vistas como uma forma imediata de gerar receita para viabilizar cortes de impostos que o governo pretende anunciar ainda este ano sem, com isso, ampliar a já elevada dívida pública. Nesse sentido, a medida tem um papel tático dentro da política doméstica, em especial para convencer alas mais conservadoras do Partido Republicano, como o Freedom Caucus, de que é possível reduzir impostos mantendo a disciplina fiscal. Para esses parlamentares, qualquer redução tributária precisa ser compensada por novas fontes de receita, e as tarifas funcionariam como uma solução “limpa”, sem recorrer a mais endividamento. Contudo, é importante lembrar que, apesar de tecnicamente viáveis, tarifas são, em essência, impostos indiretos pagos pelo consumidor, com impacto direto no custo de vida das famílias americanas.
Essas duas lógicas, a geoeconômica e a fiscal, coexistem de maneira tensa: uma fornece a narrativa política, a outra sustenta a engenharia financeira do plano. O governo projeta arrecadar cerca de 600 bilhões de dólares por ano com a nova estrutura tarifária, somando 6 trilhões em uma década. Modelagens econômicas indicam que esse número é teoricamente possível se as tarifas aplicadas variarem entre 10% e 50% conforme o setor e o país, como agora anunciado. No entanto, o custo macroeconômico seria alto: inflação de até 9,5% nos preços ao consumidor e uma redução estimada de 1% no PIB dos EUA.
A nova rodada tarifária representa, portanto, uma mudança de paradigma na política comercial americana, marcando um afastamento deliberado da ordem econômica liberal baseada em regras e instituições, construído no pós-Segunda Guerra Mundial. Ao tratar o acesso ao seu mercado como um privilégio e não como parte de um sistema global negociado, os EUA desafiam diretamente os fundamentos do comércio internacional contemporâneo.
A grande questão, agora, é se a estratégia de Trump resultará em um novo ciclo de crescimento industrial e autonomia produtiva, ou se desencadeará uma escalada protecionista que comprometerá o consumo doméstico, a competitividade internacional e as relações comerciais com parceiros estratégicos. O que é certo é que o “Dia da Libertação” não apenas inaugura uma nova etapa na política econômica dos Estados Unidos, mas também lança o mundo em uma nova era de incertezas comerciais — talvez a mais decisiva desde o fim da Guerra Fria.
Comments