A Pretensão Territorial dos EUA sobre a Groenlândia
- dri2014
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Nos últimos meses, o interesse dos Estados Unidos pela aquisição do território da Groenlândia — pertencente à Dinamarca — desencadeou discussões sobre o status político da ilha, em virtude da proposta apresentada pelo atual presidente americano Donald Trump em comprar a Groenlândia e dos crescentes ataques à soberania dinamarquesa na região. As ambições da potência estadunidense quanto às negociações da Groenlândia são justificadas na ideia de segurança nacional, com vistas a monitorar o expansionismo econômico e militar da Rússia e China na região.
Vale lembrar que a Groenlândia, apesar de integrar o Reino da Dinamarca, é um território autônomo, possuindo autogoverno e o seu próprio Parlamento. A Groenlândia esteve sob governo total do Estado dinamarquês do início do século XVIII até o final da década de 1970, quando o governo autônomo iniciou suas atividades A ilha situa-se entre os oceanos Ártico e Atlântico, próxima ao Canadá e à Islândia.
Atualmente, a situação política doméstica da Groenlândia é alicerçada por um certo grau de autonomia viabilizada pela Lei de Autogoverno aprovada em 1979, que garantiu aos representantes locais as responsabilidades relativas à administração interna que incluem a polícia, os tribunais e a guarda costeira. No entanto, determinados setores — tais como a política externa, de defesa e de segurança — ainda encontram-se sob gestão da Dinamarca.
Como parte da Dinamarca, a Groenlândia integra a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e constitui um elemento central da parceria bilateral entre os Estados Unidos e a Dinamarca, incluindo a presença militar norte-americana materializada nas patrulhas compartilhadas e na base aérea de Thule existente na região. Portanto, a maior ilha do mundo é coberta pelos compromissos de segurança da OTAN.
Groelândia não é membro da União Europeia, pois retirou-se formalmente da Comunidade Europeia em 1985. No entanto, firmou um acordo de associação com a Uniao Europeia na condição de país e território ultramarino.
A extensa cobertura de gelo e neve na superfície — presente em cerca de 80% da ilha — enfrenta um processo acelerado de degelo impulsionado pelo aquecimento global, ampliando as rotas de navegação e revelando o acesso a valiosos recursos naturais. Desse modo, as riquezas naturais da região têm atraído os interesses de atores estatais, devido ao potencial exploratório de depósitos minerais, como o lítio, bem como de petróleo e gás. Em 2021, a Groenlândia proibiu toda nova extração de petróleo e gás com o argumento de que o preço ambiental seria muito alto, contudo, a possibilidade de exploração de matérias-primas usados na transição verde representa a disponibilidade recursos energéticos não tão custosos, impulsionando as ambições internacionais no território.
Ademais, a gradativa redução das calotas polares favorece a navegação em rotas comerciais no Ártico, propiciando a abertura de caminhos marítimos mais curtos e rápidos entre a Ásia, Europa e América do Norte, o que, por sua vez, posiciona a Groenlândia enquanto centro marítimo comercial. Assim sendo, a aquisição da ilha pela potência estadunidense corresponderia a ganhos econômicos, comerciais e estratégicos e, também, viabilizaria o controle dos Estados Unidos às crescentes ações russas e chinesas na região, que também intencionam a exploração de novas rotas polares e dos depósitos de minerais relevantes para a transição energética e desenvolvimento tecnológico.
As modalidades de obtenção da ilha propostas por Donald Trump envolvem a compra direta da Groenlândia, o incentivo ao processo de independência e posterior aliança com os Estados Unidos e, por fim, a interferência econômica e militar na região. Em primeiro lugar, as negociações para aquisição dependeriam do consentimento das autoridades dinamarquesas e groenlandesas, as quais já demonstraram que o território não estaria à venda. Em seguida, cita-se um provável Pacto de Livre Associação, em que a ilha teria autonomia com assistência econômica e de defesa dos Estados Unidos, que também estaria subordinado à aprovação do Reino da Dinamarca. A intervenção americana por meio de mecanismos econômicos e militares relacionam-se à imposição de tarifas e ao uso da força armada, que simboliza uma violação ao preceito de soberania nacional.
Após as falas mencionadas do então presidente Trump, as autoridades groenlandesas receberam a proposta com uma forte oposição, e interpretaram a iniciativa como uma afronta direta à autodeterminação do povo da ilha. Seus líderes têm defendido progressivamente uma trajetória de emancipação política e econômica, com vistas à independência plena.
Em resposta à pretensão norte-americana, o atual Primeiro-Ministro da Groenlândia, Múte B. Egede, declarou de forma enfática: “Não pertencemos a mais ninguém”. Essa declaração simboliza não apenas o repúdio à ideia de compra ou anexação, mas também a afirmação de uma identidade nacional distinta, construída ao longo de séculos por um povo que tem resistido à dominação externa. As lideranças locais enfatizam que qualquer decisão sobre o futuro da Groenlândia deve partir do seu próprio povo, não de negociações entre governos estrangeiros.
A busca por maior autonomia é impulsionada por um desejo de preservar a cultura inuíte, a língua groenlandesa e os modos de vida tradicionais. Esse movimento que aspira uma maior independência ao povo groenlandês vem se tornando cada vez mais forte, especialmente nos últimos anos. Em 2023, o governo no poder apresentou o primeiro rascunho de uma constituição própria, pedindo a criação de uma república groenlandesa, independência da Dinamarca e reconhecimento da herança inuit da ilha. A posição favorável da população à independência também se apresenta pela vitória dos partidos progressistas no parlamento, em especial, o partido de Centro-direita, Demokratik, que defende uma abordagem gradual à soberania da ilha.
A população, embora reconheça os possíveis benefícios econômicos de parcerias com potências globais, vê com preocupação a possibilidade de se tornar objeto de interesses geoestratégicos e de exploração intensiva de seus recursos naturais — como petróleo, terras raras e minerais valiosos. O receio de impactos ambientais e culturais é crescente, especialmente diante das mudanças climáticas e da pressão econômica externa.
A Dinamarca, responsável pelos assuntos de defesa e política externa da Groenlândia, respondeu com firmeza à proposta norte-americana, afirmando que a Groenlândia “não está aberta à anexação”. Em uma resposta irônica às falas do presidente Trump, a população dinamarquesa lançou uma petição para a compra do Estado americano da Califórnia que já conta com mais de 200 mil assinaturas, sugerindo que a Dinamarca se beneficiaria pelo “clima ensolarado da Califórnia, abundância de palmeiras, e produção de abacate”.
Para o governo dinamarquês, a ilha representa um ativo geopolítico vital, cuja importância aumentou com o aquecimento global e a abertura de novas rotas marítimas no Ártico. Politicamente, ceder a Groenlândia significaria um enorme revés para a posição da Dinamarca no cenário internacional. A ilha oferece à Dinamarca um assento privilegiado nas discussões sobre o Ártico, acesso a uma vasta extensão territorial e a possibilidade de explorar recursos naturais valiosos. Além disso, a manutenção da Groenlândia no Reino da Dinamarca é também uma questão de prestígio nacional e integridade do reino.
Economicamente, a Groenlândia é altamente subsidiada pela Dinamarca, que fornece grande parte dos recursos financeiros que sustentam os serviços públicos na ilha. Isso, no entanto, não significa que a Dinamarca deseje manter a Groenlândia por dependência econômica, mas sim por estratégia geopolítica e laços históricos. Um repasse do território aos EUA significaria a perda de uma das suas mais importantes plataformas no Ártico. Ainda que os laços entre Dinamarca e Estados Unidos sejam tradicionalmente fortes, especialmente via OTAN, a proposta de aquisição da Groenlândia causou certo mal-estar diplomático. A reação negativa da Dinamarca mostrou que há limites para a influência norte-americana sobre territórios considerados estratégicos por outras potências ocidentais.
Apesar da recusa categórica à venda da Groenlândia, a possibilidade de acordos alternativos entre EUA, Dinamarca e Groenlândia permanece em aberto. Os Estados Unidos já mantêm presença militar na ilha por meio da base aérea de Thule, que desempenha papel estratégico na defesa e vigilância do Ártico e do espaço. É possível que futuras negociações se concentrem em ampliar essa presença sob novos acordos bilaterais ou trilaterais. Alternativas à incorporação incluem investimentos norte-americanos em infraestrutura local, projetos de mineração em parceria com empresas americanas, cooperação científica no Ártico e acordos de defesa mais robustos. Tais iniciativas podem fortalecer a influência dos EUA na região sem que isso represente uma violação direta à soberania groenlandesa ou à autoridade dinamarquesa.
No entanto, essas movimentações geopolíticas têm repercussões mais amplas. A crescente competição pelo Ártico envolve não apenas EUA e Dinamarca, mas também Rússia, China, Canadá e Noruega. Qualquer movimento dos Estados Unidos em direção à consolidação de sua presença na Groenlândia pode ser interpretado por outras potências como uma escalada estratégica, levando a um aumento das tensões na região.
A Groenlândia, nesse contexto, torna-se um símbolo do novo tabuleiro geopolítico do século XXI: uma terra rica em recursos, estratégica militarmente e com um povo que luta por autodeterminação. Qualquer decisão sobre seu futuro deverá, acima de tudo, respeitar a vontade de seus habitantes.
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