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A Revolução Monetária do BRICS+: Ouro como Resposta às Sanções Ocidentais

  • dri2014
  • 2 days ago
  • 5 min read

A discussão sobre a criação de uma moeda comum do BRICS+ lastreada em ouro tem ganhado relevância, dadas as transformações do cenário geopolítico e econômico global. A proposta surge como uma alternativa ao domínio do dólar americano e reflete a busca dos países membros – Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Egito, Etiópia, Indonésia, Arabia Saudita e Emirados Árabes Unidos – por maior autonomia financeira e proteção contra as flutuações e sanções vinculadas ao sistema monetário ocidental. Para compreender as implicações dessa ideia, é fundamental analisar a relação histórica entre o ouro e as moedas, assim como entender os possíveis efeitos de uma nova moeda lastreada em ouro.

Ao longo da história, o ouro foi a base do sistema monetário mundial, o que garantia a estabilidade e a confiança nas transações econômicas internacionais. O padrão-ouro, vigente principalmente no século XIX até meados do XX, assegurava que cada unidade monetária em circulação correspondesse a uma quantidade fixa de ouro armazenada pelos bancos centrais. Esse mecanismo impunha monitoramento fiscal aos governos, uma vez que a emissão de moeda estava diretamente vinculada às reservas de ouro disponíveis.

No entanto, após o acordo de Bretton Woods em 1944, o dólar americano assumiu o papel de moeda de reserva global, ainda que mantendo uma convertibilidade limitada em ouro. Essa ligação foi rompida em 1971, quando os Estados Unidos suspenderam a conversão direta do dólar em ouro, iniciando a era do dinheiro fiduciário – moedas que não possuem lastro físico e cujo valor deriva da confiança na economia do banco emissor.

A separação entre o dinheiro e o ouro permitiu que os bancos centrais adotassem políticas monetárias mais flexíveis, mas também trouxe consequências significativas. A emissão descontrolada de moeda, sem um lastro tangível, tem sido associada a ciclos de inflação, desvalorização cambial e crises financeiras. Países que realizam a impressão de moeda sem lastro real, como a Venezuela, enfrentam colapsos inflacionários e perda completa de confiança em suas moedas. Mesmo economias estáveis, como a dos EUA, enfrentam desafios devido ao crescimento exponencial da dívida pública e à dependência global do dólar, que hoje é tanto uma ferramenta econômica quanto um instrumento geopolítico de pressão, como visto nas sanções contra Rússia e Irã.

Nesse contexto, a proposta de uma moeda do BRICS+ lastreada em ouro surge como uma tentativa de reequilibrar o sistema financeiro internacional. Os países do bloco, especialmente Rússia e China, têm aumentado significativamente suas reservas de ouro nos últimos anos, sinalizando uma estratégia de reduzir a exposição ao dólar. Uma moeda lastreada em metal precioso poderia oferecer maior estabilidade e credibilidade, atraindo investidores e parceiros comerciais que buscam alternativas às moedas fiduciárias. Além disso, uma moeda comum facilitaria o comércio entre os membros do BRICS+, diminuindo a dependência do sistema financeiro ocidental e do SWIFT, que pode ser instrumentalizado para fins políticos, como ocorreu com a exclusão de bancos russos após a invasão da Ucrânia.

Todavia, a implementação dessa proposta enfrenta obstáculos consideráveis. As disparidades econômicas e políticas entre os membros do BRICS+ são significativas, e a coordenação necessária para criar e administrar uma moeda comum exigiria um nível inédito de cooperação. Além disso, o ouro é um recurso finito, o que poderia limitar a capacidade de expansão monetária em momentos de crise, diferentemente do dinheiro fiduciário, que pode ser emitido conforme a necessidade dos bancos centrais. Outro desafio é a distribuição desigual das reservas de ouro dentro do bloco, com China e Rússia detendo grandes estoques, enquanto outros países teriam dificuldade em garantir lastro suficiente.

            As diferenças culturais e políticas decorrentes da composição heterogênea do bloco dificultam a construção de um consenso quanto a uma moeda comum. A ausência de condições que tendem a facilitar uma integração econômica — como, por exemplo, o compartilhamento de fronteiras, história ou estrutura econômica — aliada à grande diversidade dos países integrantes representam fatores estruturais que tendem a limitar os avanços das conversas referentes à unificação monetária. Ademais, as rivalidades internas existentes — como no caso da China e da Índia — enfatizam mais as divergências de interesses presentes na aliança econômica.

            Cabe destacar ainda que a conciliação entre as políticas monetárias adotadas pelos Estados-membros representa um desafio a ser superado para a concretização de uma articulação financeira eficiente. As políticas monetárias dos países apresentam bancos centrais próprios e instrumentos aplicados para influenciar a oferta da moeda e as taxas de juros. Nesse contexto, a criação de um sistema de pagamentos internacional torna-se uma melhor alternativa frente a uma restrição da flexibilidade das decisões monetárias nacionais.

Funcionando como uma via segura e eficiente para transações internacionais, esse sistema pode reduzir a centralidade do Ocidente nas infraestruturas financeiras, favorecendo a consolidação da soberania econômica do BRICS e a ampliação da resistência a sanções externas.

            Em paralelo a isso, a falta de transparência em relação à administração da taxa de câmbio e a possibilidade de flutuações econômicas globais — diante de movimentações especulativas — se apresentam como outras questões a serem resolvidas para a efetivação da proposta do BRICS. Uma vez que o ouro não é considerado uma moeda pelo Banco Central, a conversão de uma moeda atrelada ao ouro deveria considerar o preço do metal em dólar por peso e a força do dólar. Dessa forma, tal fenômeno poderia acarretar um colapso monetário, em razão do processo inflacionário, além de um boom de commodities, o qual favoreceria os países constituintes do BRICS. Ademais, verifica-se a necessidade da moeda comum do bloco fixar um valor em ouro, evitando disparidades de preços para o ouro.

            Vale acrescentar que o anúncio da criação da moeda do BRICS — previsto para ocorrer na Cúpula do BRICS deste ano — se faz presente em uma conjuntura geopolítica recentemente marcada por acontecimentos envolvendo países-membros do bloco, como a Guerra da Ucrânia, a Guerra Comercial entre Estados Unidos e China, além do conflito entre Israel e Irã com o envolvimento dos Estados Unidos. Dessa forma, esses eventos poderiam influenciar a reação das potências ocidentais diante da integração monetária do BRICS e a imposição de sanções econômicas e financeiras.

            A necessidade de unificar o bloco financeiramente revela as preocupações do grupo das potências não ocidentais em relação ao protecionismo e a política externa agressiva dos Estados Unidos, imposta por Donald Trump em seu segundo mandato por meio das tarifas severas. As possibilidades de novas alternativas ao dólar e a desconfiança em relação à moeda estadunidense representam formas de enfrentamento à hegemonia dos Estados Unidos nas transações financeiras internacionais e de impedimento do emprego do dólar americano como arma de pressão ou sanção.

            Entre os setores de atividade econômica mais sensíveis a essa mudança no cenário global, citam-se os mercados de: petróleo e gás; bancos e finanças; commodities; comércio internacional; tecnologia; turismo e viagens; câmbio. Além disso, um colapso monetário pode ser uma consequência da inflação mais alta e do aumento do preço para o ouro, viabilizando a substituição do dólar pela moeda BRICS. O Fundo Monetário Internacional estima que os países do BRICS representarão, em 2027, 33,9% do PIB mundial, enquanto que a participação do G7 deve cair para 28,26%, o que, por sua vez, denota um símbolo da mudança do eixo econômico global.

            A concretização do projeto do BRICS simbolizaria, no ambiente geopolítico, um marco da multipolaridade e a consolidação da influência chinesa. A longo prazo, tal proposta do bloco pode gerar o enfraquecimento do dólar americano como moeda de troca na economia global e o declínio do poder dos Estados Unidos no sistema internacional.

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