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É possível ter eleições livres na Romênia?


A Romênia representa um país vital para as questões estratégicas, políticas e militares relativas à OTAN, à União Europeia e à tensão russo-ucraniana. Isso se dá pela localização estratégica em que ela se encontra, visto que o Mar Negro é a uma região importante para a Uniao Europeia e devido à área de fronteira com a Ucrânia. Tem-se, além disso, que a capacidade bélica da Romênia está em expansão, através da reestruturação da força submarina, dos investimentos para a base de Mihail Kogălniceanu e da presença militar cada vez maior dos Estados Unidos e OTAN. Ainda assim, salienta-se que, apesar do território romeno não ter sido tão atingido com a crise energética em comparação com os demais países europeus, o Projeto Ucrânia afetou a Romênia quanto à pesca no Mar Negro, às dificuldades no turismo em virtude do conflito, e à inflação, graças ao aumento generalizado de produtos que costumavam ser importados da Rússia. Outrossim, a Romênia enfrenta atualmente um cenário de turbulência política, intensificado após a eleição de 2024. 

No início de fevereiro, o então presidente da Romênia Klaus Iohannis, renunciou ao cargo da presidência, em meio à uma tentativa de impeachment, estando a três meses da próxima eleição. A renúncia ocorre em um momento de extrema instabilidade política na Romênia, onde a direita luta por um espaço cada vez maior no parlamento. O pedido de impeachment do presidente Iohannis já havia sido protocolado no momento do anúncio de sua renúncia. Seu mandato, que se encerraria em dezembro do ano passado, iria se estender até maio deste ano, por conta do anulamento da eleição que ocorreu no ano passado pela Corte Constitucional Romena.

A desconsideração do pleito sucedeu no contexto de uma corrida eleitoral conturbada, em que o Supremo Tribunal já havia interferido na homologação de uma das candidatas, Diana Șoșoacă, que foi proibida de concorrer a eleição pois sua campanha anti-União Europeia e anti-OTAN foi considerada “inconstitucional”. As pesquisas eleitorais apontavam então que um segundo turno seria disputado pelo Primeiro-Ministro Marcel Ciolacu, do Partido Social Democrata (PSD), e pelo líder da Aliança para a Unidade dos Romenos (AUR), George Simion. Entretanto, em um resultado não esperado, um candidato independente anteriormente associado à AUR, Călin Georgescu, liderou o primeiro turno, e Elena Lasconi, líder do movimento anticorrupção de centro-direita Save Romania Union (USR), garantiu a segunda colocação e avançou para o turno decisivo ao lado de Georgescu, enquanto o Primeiro-Ministro terminou em terceiro.

Georgescu não aparecia tão bem posicionado nas pesquisas eleitorais que antecederam a disputa, mas ganhou popularidade por uma campanha massiva nas redes sociais. O candidato assumiu posições nacionalistas, anti-UE e "antiglobalistas". Após o primeiro turno, ele disse que interromperia todo o apoio político e militar romeno à Ucrânia se eleito.

No dia 04 de dezembro de 2024, dias antes da realização do segundo turno das eleições presidenciais, o Conselho Supremo de Defesa do País da Romênia (CSAT) revelou um relatório do Setor de Inteligência, o qual continha uma série de documentos detalhando a campanha massiva e altamente organizada para favorecimento de Georgescu, através da plataforma TikTok, com a influência de um outro ator estatal - a Rússia. Porém, o Serviço Especial de Telecomunicações (STS) da Romênia, uma agência militar encarregada de proteger a infraestrutura de comunicação para o processo eleitoral, disse que nenhum ataque cibernético foi detectado durante o primeiro turno das eleições presidenciais.

Em seguida, dois dias antes do segundo turno da corrida presidencial, a Corte Constitucional da Romênia anulou o resultado da eleição, baseando-se na violação dos princípios de liberdade e justiça, em virtude das irregularidades apresentadas no relatório governamental, argumentando que a campanha foi orquestrada de modo a afetar a prática constitucional justa e democrática das eleições. A justificativa baseava-se também na suposta interferência russa expressa por meio da manipulação dos votos, incoerência da campanha e gastos secretos, o que teria beneficiado o candidato de direita e crítico da OTAN, Călin Georgescu.

Em reação à decisão da Corte, Georgescu a denunciou como “ato bárbaro”, na mesma medida em que o ato foi descrito como “golpe de Estado” pelo candidato da AUR George Simion, bem como criticado pela representante da USR Elena Lasconi. Em janeiro de 2025, Simion conduziu manifestações contrárias à anulação, com vistas a exigir eleições livres e o retorno do segundo turno. O protesto teria incluido aqueles que encontravam-se indignados com a resolução da corte constitucional e também eleitores da ala esquerdista, representando a insatisfação da população.

O atual Vice-Presidente dos Estados Unidos, JD Vance, e o bilionário e Conselheiro Sênior da Casa Branca, Elon Musk, condenaram a decisão do cancelamento da eleição presidencial romena. Vance declarou que a invalidação não comunga com os ideais americanos, ao passo que Musk chamou o Juiz Chefe da Suprema Corte da Romênia de “tirano”, por meio de uma publicação no aplicativo “X”.

Moscou negou abertamente qualquer tipo de relação com violações eleitorais, ou apoio a candidatos durante as eleições romenas. A Comissão Europeia anunciou que irá abrir uma denúncia formal contra a empresa responsável pelo Tik Tok sobre sua relação com o que ocorreu durante a eleição.  Durante o processo de suspensão do pleito, ocorreram eleições para o parlamento romeno, e as tradicionais coalizões não conseguiram chegar a um acordo com o partido político que obteve a maioria do parlamento - o Partido Social Democrata - que posteriormente se retirou das negociações. Vale mencionar que os três partidos de oposição de direita controlam hoje cerca de 35% das cadeiras do parlamento.

Ademais, de acordo com uma investigação de empresa jornalística romena (snoop.ro), o argumento utilizado para anulação das eleições era fundamentado em fatos falsos, uma vez que a campanha digital supostamente planejada pela Rússia, foi, na realidade, financiada pelo centrista Partido Nacional Liberal da Romênia, para obter uma vantagem politica local. De toda forma, anular as eleições nacionais com base numa campanha de Tik Tok, uma mídia social aberta, até mesmo sem comprovação de que essa campanha tenha sido determinante para o resultado do primeiro turno, não parece ser razoável.

Por fim, questiona-se se haverá eleições livres na Romênia. Atualmente, o primeiro turno da nova eleição está marcado para a data de 04 de maio de 2025, com previsão para o segundo turno no dia 18 de maio. O ex-presidente romeno Klaus Iohannis, cujo mandato havia sido estendido até a data da nova votação, anunciou a renúncia do seu mandato no dia 10 de fevereiro, sendo substituído pelo presidente do Senado, Ilie Bolojan. Quanto a Georgescu, ele foi detido pela polícia enquanto se encaminhava para registrar-se como candidato da eleição de maio e está enfrentando uma série de acusações gerais, envolvendo tentativas de incitar ações contra a ordem constitucional e declarações falsas de caráter fascista, racista e xenófobo. Adiciona-se que existe a possibilidade da candidatura de Georgescu ser barrada no tribunal constitucional, por causa de seu posicionamento de direita e pró-Rússia, como aconteceu com a Diana Șoșoacă, representante do SOS Romênia. Após ser liberado da detenção provisória, milhares de romenos se reuniram numa manifestação publica em favor da democracia e de Georgescu. Afinal, a União Europeia e as elites romenas irão permitir eleições verdadeiramente livres, com a participação de Georgescu?

 

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