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O Agravamento da Guerra na Ucrânia


No dia 18 de novembro de 2024, o presidente americano Joe Biden autorizou a Ucrânia a usar mísseis fornecidos pelos Estados Unidos (EUA) para atingir alvos mais profundos no território russo, flexibilizando as restrições do uso de armas de longo alcance. Essa atitude tornou ainda mais improvável a paz na Ucrânia, com o presidente russo, Vladimir Putin, respondendo imediatamente à decisão americana: ele advertiu que Moscou poderia fornecer armas de longo alcance a outros países para atacar alvos ocidentais, caso os aliados da OTAN permitissem que a Ucrânia usasse seus armamentos contra a Rússia

Os mísseis ATACMS, que a Ucrânia estava autorizada a usar principalmente contra a Crimeia e outros territorios que considera seus, carregavam munição de fragmentação com alcance de cerca de 160 quilômetros. Ainda está em dúvida se a nova autorização se restringe apenas ao uso de munição de fragmentação ou se também inclui os mísseis ATACMS de alto explosivo, com alcance de 300 quilômetros. De qualquer forma, Putin destacou que qualquer uso de ATACMS requer a participação de recursos da OTAN para obter dados de mira, planejar e programar a trajetória do míssil. Assim, qualquer uso de ATACMS em território russo seria considerado um ato de guerra da OTAN contra Moscou, que responderia apropriadamente ao ataque.

É importante ressaltar que o número de mísseis ATACMS fornecidos é limitado e autoridades dos EUA anteriormente questionaram se poderiam fornecer à Ucrânia mísseis suficientes para fazer a diferença no campo de batalha. A razão ostensiva para permitir esse uso é a defesa das tropas ucranianas que invadiram o oblast de Kursk, na Rússia. Os ATACMS não são armas milagrosas e o Ministério da Defesa da Rússia tem um histórico de 235 interceptações bem-sucedidas desse tipo de míssil, o que instaura a incerteza sobre o quão benéfico esse ataque poderia ser para os ucranianos.

Desde setembro de 2024, o presidente russo anunciou mudanças significativas na doutrina nuclear da Rússia, ao perceber uma intensificação da interferência ocidental na Guerra da Ucrânia. Em 19 de novembro de 2024, no dia seguinte à decisão de Joe Biden, Putin formalizou essas alterações como política oficial da Federação Russa. A doutrina revisada, intitulada “Fundamentos da Política Estatal da Federação Russa no Campo da Dissuasão Nuclear”, nº 991, amplia as condições para o uso de armas nucleares não apenas para retaliação a ataques nucleares, mas também em resposta a ataques convencionais que ameacem a soberania ou a integridade territorial da Rússia ou de Belarus. Além disso, a doutrina revisada estabelece que “A agressão de qualquer Estado pertencente a uma coalizão militar (bloco, aliança) contra a Federação Russa e (ou) seus aliados será considerada como agressão dessa coalizão (bloco, aliança) como um todo”. A frase faz referência tácita à OTAN, enfatizando ainda no parágrafo seguinte que “A agressão contra a Federação Russa e (ou) seus aliados por qualquer Estado não nuclear, com a participação ou apoio de um Estado nuclear, será considerada um ataque conjunto”. Isso qualifica a situação como justificativa para uma retaliação nuclear, permanecendo incerto quem seria o alvo da resposta.

O presidente russo mostra confiança no uso de ameaças nucleares para induzir cautela no Ocidente, o que já foi confrontado pela capacidade ocidental de contornar estrategicamente os limites da Rússia na Ucrânia. Desde o início da guerra, a constante retórica nuclear de Putin tem alternado entre blefes e bravatas, com resultados controversos. As potências ocidentais demonstraram que podem manter um equilíbrio cuidadoso sem cruzar os limites percebidos por Moscou. Embora os EUA tenham levado a sério as ameaças nucleares no início, o uso repetido dessa estratégia tem surtido efeitos cada vez menores. Com isso, a reformulação da doutrina nuclear pode ser vista como uma tentativa de Putin de reforçar sua credibilidade e resposta estratégica em meio ao que considera um cenário de crescente interferência ocidental.

Entretanto, isto parece não ter funcionado. Após a aprovação de Biden, a Ucrânia disparou seis mísseis ATACMS contra instalações militares localizadas em território russo reconhecido internacionalmente, indicando que os EUA acreditavam que Putin estava blefando em sua declaração de 24 de setembro. Mas por que Biden tomaria uma decisão tão importante no último mês de sua administração e em um período de transição para o governo Trump? Isso pode se dever ao fato de que o presidente eleito Trump expressou repetidamente insatisfação com o contínuo apoio militar e econômico dos EUA à Ucrânia, argumentando que isso não se alinha com os interesses nacionais dos EUA. Durante sua campanha, Trump afirmou que encerraria o conflito no primeiro dia de sua presidência. Sem um apoio significativo dos EUA, o Ocidente enfrentaria grandes desafios para reunir recursos para apoiar a Ucrânia, o que cederia vantagens militares à Rússia. Paradoxalmente, embora isso diminua a probabilidade da escalada da guerra por meios nucleares, aumenta-se significativamente o risco de a Ucrânia perder mais território para a Rússia. Com uma contagem regressiva de menos de dois meses antes de uma administração Trump assumir, a administração Biden está essencialmente sinalizando para a Ucrânia que apoiará seus esforços para manter a pequena porção de território russo que atualmente controla, para usá-la como uma moeda de troca significativa em futuras negociações potenciais. Outra possibilidade e que Biden pretende deixar uma crise nas mãos de Trump, com o agravamento do conflito provocado por sua decisão, prejudicando, assim, os eventuais esforços de paz de Trump.

De todo modo, o exército russo, em resposta ao ataque ucraniano, lançou um míssil balístico de alcance intermediário de última geração contra um alvo ucraniano. Como parte do que Putin chamou de “teste de combate”, o míssil hipersônico, apelidado de ‘Oreshnik’ (‘Avelã’), atingiu com sucesso uma instalação industrial militar na cidade ucraniana de Dnepropetrovsk (conhecida como Dnipro na Ucrânia). O “teste de combate” foi uma resposta às “ações agressivas dos Estados membros da OTAN contra a Rússia,” disse Putin em discurso. Ele também alertou que Moscou continuará os “testes de combate” de seu mais novo sistema de mísseis, acrescentando que os critérios da Rússia para a escolha de alvos para tais testes serão determinados por uma avaliação da ameaça à segurança, acrescentando que Moscou acredita que tem o direito de alvejar as instalações militares das nações que permitem que suas armas sejam usadas contra a Rússia. Isso sinalizou um aviso aos aliados da Ucrânia: um conflito mais amplo pode surgir a menos que o Ocidente ajuste sua política.

Apesar da prontidão de Putin para escalar através de armamentos avançados, a decisão de Moscou de notificar o Centro de Redução de Ameaças dos EUA, apenas 30 minutos antes, visava claramente evitar interpretações errôneas e mitigar o risco de uma escalada nuclear imediata, refletindo o reconhecimento de Putin dos perigos de erros de cálculo e escaladas não intencionais, destacando sua intenção de evitar desencadear inadvertidamente uma guerra nuclear. No entanto, a possibilidade de Putin escalar com o uso de armas nucleares de baixo rendimento no campo de batalha não pode ser completamente descartada. Embora improvável, tal decisão pode vir como um tiro de aviso nuclear sobre uma área remota na Ucrânia se Putin perceber uma ameaça iminente à “soberania e/ou integridade territorial” da Rússia e Belarus. O uso de ambiguidade calculada por Putin — falta de especificidade — é uma tática deliberada destinada a semear dúvidas nas mentes de seus adversários. Embora o uso de ambiguidade na doutrina nuclear não seja exclusivo da Rússia e seja empregado por outros Estados armados nuclearmente, a aplicação de Putin se destaca devido ao seu contexto, pois é especificamente adaptada a uma guerra em andamento e, portanto, formulada de maneira ampla para evitar um compromisso firme com o uso de armas nucleares e manter as opções de Putin em aberto.

Rússia pode estar adotando uma resposta calculada e limitada justamente para evitar que o novo governo dos EUA, a partir de janeiro de 2025, encontre uma situação irremediável.

 

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